Payayás atuais /Google |
Existem relatos da presença do povo Payayá de Cachoeira, no recôncavo baiano, até a região da Chapada Diamantina e o rio São Francisco. No estado de Sergipe, município de Cristinápolis também tem uma comunidade e fazenda com o nome Payayá.
Mais detalhes: povo Payayá é o morador original do litoral baiano ao rio São Francisco
Alguns pesquisadores, talvez, mal fundamentados dizem que Payayá e Maracá são dois povos. Outros defendem que é um povo só. O antropólogo "OTT (1958) que salienta, em sua obra Pré-História da Bahia, que os Payaya eram, na verdade
"[...] os Maracá, que 1586, já são mencionados. [...] Ocupavam o vale do Paraguassu, a serra do Sincorá, [...] ora Paiaia, ou ainda Maracanassu, o que significa a grande nação dos Maracá. Geralmente os índios residentes ao sul do Paraguassu eram denominados Maracá, sendo os que habitavam ao norte deste rio mais comumente desginados por Payayá. (OTT, 1958, p. 19)"
(...) os que devemos buscar conhecer são os indígenas habitantes históricos do lugar: os Payayá, Que MORAES FILHO (2002), salienta que [...] Sobre os Payayá é descrita a festa de Eraquidzã ou Varaquidrã e seus pajés Visamus, os rituais funerários antropofágicos, os ornamentos de folhas das mulheres, o costume de depilar completamente o corpo, inclusive sobrancelhas e pestanas, as plumas de muitas cores (MORAES FILHO, 2002)."
ERISVALDO SANTOS SOUZA. MUSEU VIRTUAL DA BATA DO FEIJÃO: DA ROÇA PARA A ESCOLA. Uneb, 2017.
Nesta citação de OTT fica evidente que para ele Payayá e Maracá é um povo só. Se dividiram a partir da obra dele fizeram uma interpretação equivocada. Ele argumenta que, talvez, este povo recebe "pseudodenominações" apenas por causa da região que vive.
Existe muita confusão nas pesquisas sobre os povos nativos. Principalmente por não existir obras escritas pelos próprios povos nativos. Os brancos deram a interpretação conforme os próprios interesses. Tudo precisa ser analisado com cuidado e minúcia.
Para aprofundar sobre o povo Payayá: Clique aqui.
Se você for ou conhece parente do povo Payayá na região entre em contato conosco.
Roubaram, estupraram, escravizaram, mataram, ... e se esconderam atrás da bíblia como inocentes e bonzinhos.
Cofira detalhes dos ascendentes Payayá: clique aqui
O editor do site O Jacuípe, percebendo a rasura das explicações sobre a formação da população das bacias do Paraguassu, Jacuype e do recôncavo traz uma publicação em duas partes que tenta retomar as origens milenares do povo originário, os "índios" Payayás (entre aspa porque aqui não é o país Índia. Ainda Índio é um elemento químico). Os quais viviam e seus remanescentes ainda vivem entre o recôncavo, a Chapada Diamantina até o rio São Francisco (Veja as dicas de pesquisa no fim).
O trecho "os Paiaiás das vilas de baixo", do livro AS EXCELÊNCIAS DO GOVERNADOR, refere ao atual município de Antonio Cardoso (ex - Jacuype, Santo Estevão, depois Umburanas) e outros da região pela proximidade de Cachoeira. As vilas de cima tratam até a Chapada Diamantina e o rio São Francisco.
Mais detalhes: povo Payayá é o morador original do litoral baiano ao rio São Francisco
Alguns pesquisadores, talvez, mal fundamentados dizem que Payayá e Maracá são dois povos. Outros defendem que é um povo só. O antropólogo "OTT (1958) que salienta, em sua obra Pré-História da Bahia, que os Payaya eram, na verdade
"[...] os Maracá, que 1586, já são mencionados. [...] Ocupavam o vale do Paraguassu, a serra do Sincorá, [...] ora Paiaia, ou ainda Maracanassu, o que significa a grande nação dos Maracá. Geralmente os índios residentes ao sul do Paraguassu eram denominados Maracá, sendo os que habitavam ao norte deste rio mais comumente desginados por Payayá. (OTT, 1958, p. 19)"
(...) os que devemos buscar conhecer são os indígenas habitantes históricos do lugar: os Payayá, Que MORAES FILHO (2002), salienta que [...] Sobre os Payayá é descrita a festa de Eraquidzã ou Varaquidrã e seus pajés Visamus, os rituais funerários antropofágicos, os ornamentos de folhas das mulheres, o costume de depilar completamente o corpo, inclusive sobrancelhas e pestanas, as plumas de muitas cores (MORAES FILHO, 2002)."
ERISVALDO SANTOS SOUZA. MUSEU VIRTUAL DA BATA DO FEIJÃO: DA ROÇA PARA A ESCOLA. Uneb, 2017.
Nesta citação de OTT fica evidente que para ele Payayá e Maracá é um povo só. Se dividiram a partir da obra dele fizeram uma interpretação equivocada. Ele argumenta que, talvez, este povo recebe "pseudodenominações" apenas por causa da região que vive.
Existe muita confusão nas pesquisas sobre os povos nativos. Principalmente por não existir obras escritas pelos próprios povos nativos. Os brancos deram a interpretação conforme os próprios interesses. Tudo precisa ser analisado com cuidado e minúcia.
Para aprofundar sobre o povo Payayá: Clique aqui.
Se você for ou conhece parente do povo Payayá na região entre em contato conosco.
Roubaram, estupraram, escravizaram, mataram, ... e se esconderam atrás da bíblia como inocentes e bonzinhos.
Cofira detalhes dos ascendentes Payayá: clique aqui
O editor do site O Jacuípe, percebendo a rasura das explicações sobre a formação da população das bacias do Paraguassu, Jacuype e do recôncavo traz uma publicação em duas partes que tenta retomar as origens milenares do povo originário, os "índios" Payayás (entre aspa porque aqui não é o país Índia. Ainda Índio é um elemento químico). Os quais viviam e seus remanescentes ainda vivem entre o recôncavo, a Chapada Diamantina até o rio São Francisco (Veja as dicas de pesquisa no fim).
Livro "As Excelências do Governador" |
O trecho "os Paiaiás das vilas de baixo", do livro AS EXCELÊNCIAS DO GOVERNADOR, refere ao atual município de Antonio Cardoso (ex - Jacuype, Santo Estevão, depois Umburanas) e outros da região pela proximidade de Cachoeira. As vilas de cima tratam até a Chapada Diamantina e o rio São Francisco.
Distrito de Santo Estevão-BA |
Alertamos
que dividimos os atuais remanescentes do povo Payayá milenar em dois grupos: os
descendentes e os parentes distantes. Os descendentes pela proximidade aos
ancestrais e os parentes distantes são todos aqueles que tem a mistura com
brancos e pretos.
O povo
Payayá não sumiu continua misturado com outros povos. Por isso, para não deixar
a história e o povo Payayá sumir é importante que os descendentes construam
famílias entre si, assim como, os parentes misturados com outros povos também
procriem. Desse modo, dando continuidade no relacionamento da herança genética
em cada geração, as gerações futuras podem retomar os traços
originais.
Ao
contrário do que muitos falam como se os "índios" aceitassem perder suas terras,
a organização familiar, seus plantios e as áreas sagradas que enterravam
seus parentes resistiram com bravura que quase foram eliminados totalmente. Os
conflitos entre o povo Payayá e os invasores brancos e pretos não foram
pacíficos mas com requinte de crueldade, marcados pela violência de
diversas modalidades desde de estupros e mortes.
A
primeira matéria trata das guerras contra os invasores brancos e pretos e seus
impactos na população do povo Payayá. O propósito não é se limitar às respostas
prontas mas provocar a curiosidade, a necessidade de pesquisas e despertar a
necessidade de preservação da diversidade biocultural da região.
É necessário esclarecer que a palavra "índio" é uma invenção dos invasores europeus e quando usada para identificar os povos originários do continente americano, falsifica a realidade e expressa um sentido plural. Ou seja, a palavra "índio" significa várias etnias ou povos que possuem características físicas, históricas e socioculturais diferentes. Sendo assim, ao se pensar índio como um único povo é equivocado e distorce as características de cada povo indígena.
Outro aspecto que chamamos atenção é que vários traços biofísicos, artísticos, linguísticos, alimentares, naturais do povo Payayá continuam presente na população que mora nos municípios localizados na região entre o recôncavo e a Chapada. Embora nosso foco seja a região de transição entre o recôncavo e o sertão Baiano como os municípios de Antonio Cardoso, Santo Estevão, Feira de Santana e outros vizinhos.
Outro aspecto que chamamos atenção é que vários traços biofísicos, artísticos, linguísticos, alimentares, naturais do povo Payayá continuam presente na população que mora nos municípios localizados na região entre o recôncavo e a Chapada. Embora nosso foco seja a região de transição entre o recôncavo e o sertão Baiano como os municípios de Antonio Cardoso, Santo Estevão, Feira de Santana e outros vizinhos.
A primeira parte da matéria se fundamenta na pesquisa de mestrado da historiadora Juliana Brainer Barros Neves, disponibilizada na internet, com o título "Colonização e Resistência no Paraguaçu - Bahia, 1530 - 1678". Agradeço a pesquisora pela gratidão e nobreza da obra mas também pela humildade de socializar seus conhecimentos para nossos parentes não perderem suas origens. Para ter acesso a obra clique aqui.
A segunda parte da matéria, que será publicada, veremos os fatos recentes sobre os remanescentes (descendentes e parentes) do povo Payayá em alguns municípios da região, com destaque para os municípios de Antonio Cardoso, Santo Estevão, Feira de Santana e outros próximos."
Segue na íntegra alguns trechos que selecionamos sobre o início das invasões do território Payayá e as Guerras entre Payayás e os invasores brancos e pretos por toda a região da bacia do Paraguassu.
A segunda parte da matéria, que será publicada, veremos os fatos recentes sobre os remanescentes (descendentes e parentes) do povo Payayá em alguns municípios da região, com destaque para os municípios de Antonio Cardoso, Santo Estevão, Feira de Santana e outros próximos."
Segue na íntegra alguns trechos que selecionamos sobre o início das invasões do território Payayá e as Guerras entre Payayás e os invasores brancos e pretos por toda a região da bacia do Paraguassu.
“COLONIZAÇÃO E
RESISTÊNCIA NO PARAGUAÇU – BAHIA, 1530 – 1678
Juliana Brainer Barroso Neves
“Já no século XVI,
os portugueses viram nas áreas próximas às margens do Paraguaçu um local de povoamento promissor.
Esta é uma das razões explicativas para este rio ser um dos primeiros a atrair
o movimento de colonização e da ocupação e exploração de suas terras ter
ocorrido logo nos primeiros anos da presença efetiva dos colonos na capitania
da Bahia.
Paulo Adorno,
italiano de Gênova, e Afonso Rodrigues, português de Óbidos, ao chegarem no, que
futuramente se tornaria a capitania da Bahia, instalaram-se nas margens do rio Paraguaçu,
e, ao longo do século XVII, uniram suas famílias, constituindo-as numa só. Os Rodrigues
Adorno deram origem a uma geração de sertanistas que desbravaram os sertões
desse rio que nasce no interior, atravessa o Recôncavo e deságua na Baía de
Todos os Santos, isto é, rota privilegiada de acesso ao interior do continente.
[...]
O que caracteriza
o caso da família Rodrigues Adorno, estruturada a partir de casamentos entre
imigrantes europeus e povos indígenas. A família deixou herdeiros que acumularam
terras através de atividades militares no Recôncavo e no sertão.
[...]
O rio Paraguaçu
nasce na Serra do Sincorá, na Chapada Diamantina, e desemboca na baía de Todos
os Santos, depois de um curso de 520 km. Atribui-se a Cristovão Jaques, o
primero explorador da Baía de Todos os Santos, ainda na década de 1520, a
identificação do Paraguaçu, nome atribuído pelos grupos tupi que viviam nas
bordas da Baía de Todos os Santos.
Suas águas abrem
caminho desde o sertão até o litoral, servindo de divisor das terras do
Recôncavo e as dos sertões, que passaram a ser identificados como sertão de
Baixo – as terras localizadas abaixo da margem direita do Paraguaçu – e o de
Cima – ao norte do mesmo rio.
[...]
Apesar de o rio
Paraguaçu ter longo curso, ele só era, e ainda é, navegável por um pequeno
trecho não muito distante da costa. Explica-se tal característica pela presença
de largos bancos ou coroas de areia em seu leito que dificultam a navegação
quando a maré está baixa. Essa peculiaridade permite-nos compreender a ocupação
tardia da área acima da atual cidade de Cachoeira e o
fato de suas margens permanecerem cobertas por vegetação densa e habitadas por
animais e tribos indígenas arredias até meados do século XVII. A conquista da
área acima do trecho navegável, portanto, era considerada como prioritária para
a penetração colonial dos sertões ao norte de Salvador, visto que, na segunda
metade do século XVI, a colonização se dirigia para o norte em direção ao rio
Real.
Antônio Loreiro de
Souza escreve que “Entre os que formavam
a expedição de Martim Afonso de Sousa, estava um fidalgo de nome
Paulo Dias Adôrno.”
[...]
Paulo Dias Adorno
construiu sua história na Bahia e, unindo-se a Affonso Rodrigues, deu origem à
história da família Rodrigues Adorno em Cachoeira. Segundo Antônio Loreiro, Adorno,
que “era homem de posses”, pouco tempo depois de chegado na Bahia recebeu “terras no Recôncavo, onde fundaria uma
fazenda e um engenho. Buscou exatamente, aquelas que ficavam à margem esquerda
do Paraguaçu, onde poderiam, sem dificuldades de entrada e saída, aportar muitas embarcações”. Sua propriedade,
próxima aos riachos Pitanga e Caquende, era privilegiada para a cultura da
cana, e nela foi edificada uma capela com o nome de Nossa Senhora do Rosário
que, mais tarde, passou a se chamar da Ajuda.
[...]
A divisão do território da capitania era
feita pelas freguezias, sendo conhecidas através dos nomes de suas paróquias
criadas após a instalação do governo geral. No século XVI, as paróquias
existentes eram: Nossa Senhora da Vitória, instituída em 1549, a Sé de Salvador,
1552, a de São Jorge de Ilhéus, 1556 e a de Nossa Senhora da Assunção de Camamú,1560.
[...]
As terras às
margens do rio Paraguaçu foram doadas em 1557, sendo dividida em duas partes. A
margem esquerda foi doada a Álvaro da Costa pelo seu pai, o Governador Duarte da
Costa, e foi chamada de Capitania do Paraguaçu.
“... Ficava da parte da barra do dito rio de Peroaçu
da parte do sul até a barra do rio Jaguaripe por costa; que podera ser quatro
léguas de costa, pouco mais ou menos, ou aquella quantidade que houver deste limite
e para o sertão pelos ditos rio acima de des legoas de terra e isto entrando
dentro todas las Ilhas que tiverem ao longo da costa desta dada e a agoa de Igarassú
que está pelo rio de Peroaçú, dentro da parte do sul para nelle fazer engenho”.
A margem direita “do cabo desta terra do conde [rio Seregipe]
à bôca do rio Paraguaçu são três ou quatro léguas (...) Esta terra
foi dada a Brás Fragoso de sesmaria e pelo rio de Paraguaçu acima quatro
léguas; a qual se vendeu a Francisco de Araújo”. A capitania do Paraguaçu foi posteriormente dividida para ser arrendada
a outros colonos. A partir da segunda metade do século XVI, as concessões de
sesmarias se dirigiram para o norte e ocidente, em direção ao rio Real,
usando-se como referência o Paraguaçu.
No ano de 1573, a
família Adorno já vendia as terras que possuía nas proximidades de Salvador.
Nesse ano, a viúva de Paulo Dias Adorno, Felipa Álvares, vendeu suas casas que tinham
quintais “pegados com a cerca do Mosteiro de Jesus.” Dessa propriedade, Antônio
Dias Adorno já havia vendido a sua parte ao dito Mosteiro e agora vendia as de
sua mãe para o Colégio de Jesus, recebendo a quantia de seis mil réis.
Gaspar Rodrigues,
filho do português Afonso Rodrigues obteve, em 1574, uma doação do procurador
de Dom Álvaro da Costa ao longo da costa e para o sertão, em frente ao Paraguaçu.
Freire menciona que uma sesmaria também foi doada a Antônio Dias Adorno, filho de
Paulo Dias Adorno, importante sertanista do século XVI.
Uma das atividades
mais desenvolvidas pela família Rodrigues Adorno foi a busca de metais e pedras
preciosas. O rio São Francisco foi uma das áreas consideradas
como das mais atrativas.
[...]
Ao chegar ao rio
Jequitinhonha, “a parte dirigida por Dias Adorno, encaminhou-se para o norte a captivar
índios”. O roteiro percorrido por Adorno tentava reproduzir o estabelecido por
Martins Carvalho. Antônio Dias Adorno ficou conhecido por ter “descoberto” a
Serra das Esmeraldas que, de acordo com roteiro descrito por ele, ficava na
capitania do Espírito Santo, entre a de Porto Seguro e o rio Doce. A notícia
sobre esse sucesso inspirou outras entradas, como a organizada pelo irmão de
Gabriel Soares de Sousa, cujo roteiro foi passado para Gabriel devido a morte
de seu irmão na empreitada. Como conseqüência do suposto sucesso na busca de
minerais e por ter lutado ao lado de Mem de Sá na guerra aos índios do
Paraguaçu, Dias Adorno adquiriu o título de Cavalheiro do Hábito de Santiago
[...]
Segundo Felisbelo
Freire, em 1635 foi concedida a última sesmaria no Paraguaçu. O ponto limite de
suas concessões ficava no encontro do rio de Contas com o rio Paraguaçu. Algumas
capitanias particulares no Recôncavo acabaram por se desagregar através de
venda, transferência ou alienação e não chegaram a contribuir de forma decisiva
para a colonização, embora tenham permanecido como tal, de forma oficial até o
século XVIII.
Os Rodrigues e os
Adornos, localizados em torno do povoado da Cachoeira, também se beneficiaram
com essa política de concessão de sesmarias recebidas como recompensa pelos
bons serviços prestados à Coroa, particularmente no combate a revoltas
indígenas, como a dos Tamoios e do Espírito Santo, e aos invasores europeus.
Habilitaram-se, portanto, por participarem do empreendimento da conquista dos
sertões, da defesa das terras coloniais. Muitas dessas sesmarias, na verdade,
apenas regularizavam a posse que já possuíam e logo trataram de ocupar e
explorar, como exigia a legislação vigente, e ampliá-las em direção aos sertões
do Paraguaçu e do Recôncavo.
O objetivo de
comercializar açúcar e outros bens da terra nos territórios ocupados pelos
Adorno foi sendo alcançado através dos seus descendentes e da sua união com os
Rodrigues. Porém, identificamos que esta não foi a única, nem a principal forma
de atividade economica praticada por eles. Contribuíram para o crescimento
econômico da colônia tornando se importantes exploradores do sertão, além de
administradores de aldeias indígenas. Essa era a forma garantida de poderem
explorar o que já possuíam e ampliar suas terras.
Os aldeamentos eram
povoações pré-existentes de índios ou criadas para acomodar grupos
“convencidos” a descer dos sertões para áreas mais próximas às regiões
colonizadas. Podiam ser administrados por missionários jesuítas, por
autoridades leigas nomeadas pelo rei ou por particulares. Apesar da criação de
aldeamentos estar prevista no Regimento Tomé de Souza, essa política só se
efetivou no governo de Mem de Sá. O objetivo de organizar os grupos indígenas à
maneira dos conquistadores e, no caso dos aldeamentos jesuítas, era o de transmitir
a fé cristã para os silvícolas, transformá-los em súditos engajados no projeto
colonial e capacitá-los como produtores agrícolas. Todos os aldeados poderiam
ser arrendados a outros colonos para trabalharem em suas fazendas por um tempo
determinado e recebiam uma parte do pagamento em espécie.
Cristianismo era a arma usada para escravizar e roubar as terras dos índios. A bíblia escondeu monstros como bonzinhos. |
Os aldeamentos jesuítas foram iniciados no litoral e só conseguiram atingir o vale do rio São Francisco depois da segunda metade do século XVII, ultrapassando as terras que foram doadas a particulares e que tomavam o território que ia do rio Jacuípe até o rio Real.
Grande parte dos
aldeamentos formados nesses lugares podem ter sido administrados pelos próprios
sesmeiros que habitavam a região e praticavam atividades militares para
defenderem suas terras dos indígenas inimigos. Esses colonos, por terem lutado
em defesa do território, recebiam as nomeações reais para se tornarem chefes
das aldeias que haviam combatido ou convecido a descerem para o Recôncavo. Daí
surgirem às querelas entre jesuítas e colonos sobre o trato que deveriam dar
aos “gentis”.
[...]
O sucesso das
famílias Rodrigues e Adorno estava diretamente ligado às relações que
estabeleciam com os grupos indígenas. Muitos dos índios que capturavam,
excetuando-se aqueles destinados ao pagamento do imposto ao governador e aos
financiadores do empreendimento e os que eram comercializados com outros
interessados, eram incorporados a suas aldeias, de onde eram levados para
prestarem serviço em suas fazendas ou serem alugados a outros colonos. Também
compunham parte do exército que eles utilizavam nas guerras ofensivas ou
defensivas de suas propriedades, de rotas de comércio, de vilas e povoados e da
colônia, no caso de ataques de franceses e holandeses, e também nas guerras de
conquista de novas parcelas dos sertões.
[...]
Os outros dois
filhos de Afonso Rodrigues, Álvaro Rodrigues, que ficou conhecido por Caramuru
como seu avô, e Rodrigo Martins, “capitão”, foram chefes de guerra do sertão
entre o fim do século XVI e início do século XVII.
[...]
Considerando-se
essa informação, constata-se que o recrutamento de membros das duas famílias
assegurava a presença de uma tropa indígena para combater grupos autóctones em
outras partes da colônia sempre que fossem solicitados. Essa atividade
garantia-lhes prestígio e acesso a recompensas, como dinheiro, terras e
ecravos, fortalecendo-os e abrindo-lhes novas perspectivas de ascensão social.
A união das
famílias Rodrigues e Adorno acontece quando Caramuru, o novo, Álvaro Rodrigues,
casou com a filha de Catarina Dias Adorno e Francisco Rodrigues que, segundo
Barata e Cunha, chamava-se Margarida Adorno. Então, do casamento entre
Caramuru, o novo, e a bisneta de Caramuru, o velho, nasceram Afonso Rodrigues
Adorno (1590-1665), João Rodrigues Adorno e Maria Adorno. Essa estratégia
permitiu que ampliassem o montante de seus bens e sua participação no processo
de conquista.
É necessário da
maior atenção ao primogênito, Afonso Rodrigues Adorno. O mesmo foi para a
Índia, por volta de 1604 ou 5 e, de volta à Bahia “foi eleito capitão dos
indios das aldêas das partes da Caxoeira, e seu administrador, por provizão do
governador Diogo Botelho de 9 de Dezembro de 1607. Foi moço da camara”. Este
posto só foi criado por lei em 1611, sendo provido pelo governador-geral para
pessoas abastadas da colônia que não possuíssem origem cristã-nova.
Foi a partir de
Afonso Rodrigues Adorno que, no século XVII, a família passou a praticar novas
guerras nos sertões do Paraguaçu. Logo na primeira metade desse século, as
colônias portuguesas estavam sendo prejudicadas devido às guerras travadas no
Atlântico contra os flamengos. O domínio de Angola dificultou o tráfico de
escravos para a América, o que aumentou o valor dos africanos. Dessa forma, a
necessidade de trabalhadores indígenas se tornou maior. Ante a investida dos
colonos para aprisioná-los, vieram às revoltas e logo Afonso Rodrigues Adorno
foi enviado ao sertão para “conter” os grupos indígenas que vinham “praticando hostilidades”
contra os moradores do Recôncavo. O resultado dessa expedição foi a captura de
vários indígenas, como cita o “registro dos índios que Afonso Rodrigues Adorno
trouxe do sertão”.
Dos índios
capturados “se deram ao Governador Geral Diogo Luis de Oliveira do quinto conforme a
Provisão de Sua Magestade vinte e quatro pessoas entre fêmeas, e machos”. Os
prisioneiros foram entregues também aos que lutaram na guerra contra os
inimigos silvícolas,
E assim mais se foram entregando aos Soldados, que foram
na dita jornada as
peças, que á cada um delles coube para os terem de
administração na forma dos mais assentos atrás, e cada um vae nomeado por seu
nome, e os índios, que levam na forma seguinte: a saber Francisco da Costa
morador no Maragogipe recebeu Izabel velha, e uma menina sua filha.
A maioria dos
componentes da tropa que foi ao sertão com Afonso Rodrigues Adorno era composta
por moradores da região do Paraguaçu interessados em combater os grupos da
região onde viviam para obter os benefícios devidos e poderem ampliar as áreas
sob seu domínio.
Afonso Rodrigues
lutou também na guerra contra os holandeses, o “capitão dos indios das aldêas
das partes da Caxoeira”, foi o principal representante dessa família na defesa
do território baiano. Falecendo, “diz assim o assento do seu obito: Em 7 de
Abril de 1665”. Dos quatro filhos que teve com sua mulher, Maria Dias da Souza
- Afonso Rodrigues Adorno, filho João Rodrigues Adorno “o velho, filho
segundo”, Gaspar Rodrigues Adorno e Agostinho Pereira, sendo que estes últimos
também se destacaram por terem feito parte das tropas de conquista do sertão, a
partir de 1651.
Afonso Rodrigues
Adorno, o filho, “foi eleito capitão da gente branca e indios das
trez aldêas nas
partes da Caxoeira por patente do Conde da Torre D. Fernando Mascarenhas,
governador da Bahia, de 25 de Julho de 1639, e falleceu no mesmo anno n’esta
guerra”
Gaspar Rodrigues
Adorno recebeu patente de capitão-mor (1624-1678) em 1651 e ocupou várias
posições na administração e no combate aos nativos. Foi grande proprietário em
Cachoeira, com autoridade que ia de Boipeba ao Itapicuru e Orobó63. Com a morte
do seu irmão, Afonso Rodrigues, o filho, foi mandado, por uma patente do
Governador D. Fernando de Mascarenhas de 15 de Maio de 1640, para castigar os
índios. No ano de 1642, recebeu outra patente passada pelo Governador Antonio
Telles pela qual: “foi nomeado capitão de
infantaria paga de toda gente, que ajuntasse no recôncavo da Caxoeira para
soccorro do mestre de campo Francisco Rabello”. Lutou da década de 1650 a
1670 contra os paiaiás no sertão do Paraguaçu, enfrentando a resistência
empreendida pelos índios contra a dominação.
Gaspar Rodrigues
Adorno casou com Felippa Álvares, teve três filhos, Maria Adorno, esposa de
Manoel de Aragão, João Rodrigues Adorno, que se tornou capitão de ordenança de
Cachoeira em 1673 e substituiu seu pai na guerra contra os grupos indígenas do
sertão, e Álvaro, que não tem seu sobrenome revelado.
Agostinho Pereira
“foi alferes reformado, como se diz na ordem do governador João Rodrigues de
Vasconcellos, para que fosse mandado por seu irmão Gaspar Rodrigues com 30
soldados para a guerra do mesmo gentio, por patente do dito seu irmão de 6 de
Setembro de 1651.” Nessa mesma entrada, Agostinho Pereira é citado como o que
susbstituiria Gaspar Rodrigues Adorno caso ele viesse a falecer durante a
jornada. Fato que só ocorreu em 1673. No entanto, o substituto de Gaspar foi
seu próprio filho.
Em 1672 encontramos
um pedido de Agostinho Pereira de uma sesmaria no Paraguaçu, pois
dizia que “tem Servido a Sua Alteza
muitos annos com sua pessoa e fazendas nas jornadas do Certão em todas as que
se ofecerão que hé bem notorio sem até agora ter recebido satisfação alguma”.
Seu pedido foi atendido em 1673, sendo lhe exigido que para alcançar esse
benefício, deveria levar seu gado e povoar aquele território.
A análise da
trajetória dessa família permite-nos compreender seu grau de envolvimento e
dependência para com os grupos indígenas que combateram e aldearam. Como vimos,
os Rodrigues Adorno praticaram, desde a sua chegada à América portuguesa, o
trabalho de capturar e “descer” índios do sertão e administrar aldeias
indígenas, mas também construíram alianças e estabeleceram negociações
prolongadas e nem sempre respeitadas
[...]
Porém, os conflitos
entre portugueses e índios não foram rápidos e nem uniformes, particularmente
no período que ficou conhecido como a Guerra dos Bárbaros, quando, ante a
resistência de muitos povos indígenas, a resposta do governo e dos colonos foi
a escravização massiva e a dizimação dos grupos mais aguerridos.
Os conflitos entre
portugueses e índios não foram rápidos e nem uniformes, particularmente no
período que ficou conhecido como a Guerra dos Bárbaros, quando, ante a
resistência de muitos povos indígenas, a resposta do governo e dos colonos foi
a escravização massiva e a dizimação dos grupos mais aguerridos.
CONQUISTA DO SERTÃO
DO VALE DO RIO PARAGUAÇU, 1651 - 1677
Analisar a história
de colonização do vale do rio Paraguaçu nos obriga a lançar um olhar sobre os
conflitos ocorridos neste território, visto que seu povoamento só foi possível quando
as questões com os índios, habitantes do vale, foram controladas. Dos grupos de
autóctones que habitavam o vale do Paraguaçu e participaram da resitência de
conquista ao sertão, destacamos os paiaiás, grupo indígena que entrou em choque
com os sertanistas da família Rodrigues Adorno durante a segunda metade do
século XVII – período se abertura dos sertões das capitanias do Norte.
Dessa forma, procuramos
identificar as formas de resistência utilizadas pelos paiaiás contra os
conquistadores europeus, no intuito de reconhecer que a colonização do interior
do sertão baiano só foi possível através da contenção desses índios,
tornando-se incompleta uma análise que não leve em consideração a sua
participação, ainda que resistente, na ocupação do interior colonial.
Dentre os
conquistadores mais conhecidos encontramos Gaspar Rodrigues Adorno e seu irmão,
Agostinho Pereira, representantes da família Rodrigues Adorno, pioneiros
exploradores e moradores da região. Os paulistas, Brás Rodrigues Arzão e
Estevão Ribeiro Baião Parente também se fizeram presentes a partir do momento
em que o governo, impaciente com a resistência dos índios, acreditavam que os
sertanistas baianos já não poderiam, sozinhos, dar conta da guerra.
Muito praticado, o
estudo dos índios na América portuguesa tem sido abordado de maneira mais
particular. Nos trabalhos mais recentes é possível encontrar uma história
indígena que reconhece esses povos como agentes do seu próprio destino
histórico. A história da exploração dos grupos autóctones da colônia portuguesa
adotou a perspectiva indígena. Desde então, formas de resistência por eles
elaborada para se manterem longe do domínio colonial são temáticas reconhecidas
e valorizadas, levando a uma reformulação da visão etnocêntrica sobre esses
povos.
A diversidade de
atitudes adotadas ante uma nova vivência plurisocial e multicultural também é
objeto de análise. Enquanto alguns grupos optaram pela estratégia das alianças
e reelaboração do seu universo sócio-cultural para se adaptarem aos “novos
tempos”, outros preferiram o enfrentamento e a recusa ao convívio através das
fugas. Dados atuais comprovam que houve maior índice de sobrevivência entre
aqueles que optaram por reelaborar suas identidades e sociedades e que hoje
pleiteiam seu reconhecimento como povos autóctones. A maioria daqueles
que optaram pelo enfrentamento, terminaram por ser extintos. Para Manuela
Carneiro da Cunha, esses grupos “talvez escolheram mal. Mas fica salva a
dignidade de terem moldado a própria história.”
A resistência
indígena foi exercida de várias maneiras. Tanto pelos índios aldeados que
viviam nas áreas colonizadas, como por aqueles que habitavam o interior do
continente livremente, mas que viam o seu território cada vez mais limitado por
conta das ocupações européias. Tanto um como outro tiveram papel significativo
na história colonial, sendo o segundo caso o que mais se aproxima do grupo aqui
estudado.
Das guerras feitas
aos índios habitantes do Paraguaçu a mais duradoura foi iniciada na segunda
metade do século XVII e, diferentemente das outras, não tinha como objetivo
principal aldear ou escravizar, mas, acima de tudo, o de destruir os grupos que
habitavam o local onde os portugueses pretendiam expandir sua colonização.
[...] o referido rio ainda era
considerado como a boca do sertão da Bahia, o que transformava as entradas em
verdadeiras tentativas de destruição das barreiras que impediam a passagem para
o interior do continente. As guerras contra os índios “bárbaros” habitantes do
sertão a ser povoado, ficou conhecida como “Guerra dos Bárbaros”,
particularmente as guerras ocorridas no Recôncavo foram chamadas de “Guerra do
Recôncavo”.
QUESTÃO INDÍGENA
Como afirma
Perrone-Moisés, a política indigenista aplicada aos habitantes da colônia portuguesa
foi qualificada, desde o trabalho pioneiro de João Francisco Lisboa em 1852,
contraditória, oscilante e hipócrita. Essa contradição de interesses tentava
ser contornada pela Coroa, através de leis reguladoras, mas, na verdade, a
legislação não foi a grande orientadora das relações entre índios e colonos. As
transformações e a rápida dinâmica da sociedade colonial em fase de implantação
eram determinantes do ordenamento social, e esse caráter também se refletia na
legislação portuguesa sobre o assunto, fazendo com que fosse considerada,
posteriormente, pelos analistas como contraditória, oscilante, hipócrita,
ineficaz ou negativa aos interesses indígenas.
Na verdade, a
legislação da Coroa oscilava dentro de parâmetros lógicos e coerentes, a partir
dos eixos de raciocínio metropolitano. É importante ressaltar que houve leis de
caráter geral e outras de cunho específico e até localizadas espacialmente,
fazendo com que a articulação entre as várias leis só possa ser percebida ao se
destacar o alcance e o objetivo de cada uma delas. O outro eixo de raciocínio,
que precisa ser articulado ao anterior para que se torne compreensível e
permita identificar sua lógica, é a caracterização atribuída aos grupos
indígenas com os quais os colonos entravam em contato e o tipo de relação que
estabeleciam.
Durante o período
colonial as leis, em determinados momentos, assumiam os interesses dos
jesuítas, que viam na criação de aldeamentos onde missionavam a única
possibilidade de salvar e cristianizar os “selvagens’” que não conheciam o
caminho cristão. Noutros instantes, favoreciam os interesses dos colonizadores,
que acreditavam ser essencial a escravização dos silvícolas para o sucesso de
seus empreendimentos pessoais.
Ante os
questionamentos sobre a humanidade dos indígenas e sua capacidade de apreender
e as constantes revoltas e fugas, a Coroa Portuguesa optou pela criação de uma
legislação dualista. Tendo consciência da necessidade de formar aliados e
defensores do empreendimento colonial, a Coroa Portuguesa estabeleceu a tutoria
dos índios definidos como “mansos” aos missionários jesuítas. A estes entregou
a tarefa de aldea-los, converte-los e inseri-los no projeto de produção de
mercadorias e de alimentos da Coroa e da Companhia de Jesus. Já os considerados
“bravios e irredutíveis” eram liberados aos colonos para criarem seus
aldeamentos particulares e escravizá-los.
Assim, diante das
leis estabelecidas pela Coroa e aplicada pelos jesuítas, aos índios aldeados e
aliados foi garantida a liberdade ao longo de toda colonização. Porém, o
destino dos índios inimigos – leia-se os que resistiam aos mecanismos de
dominação - era a escravidão. As capturas dos índios por particulares causaram
conflitos perenes entre eles e os colonos. Para contornar o problema, e o
Governo Metropolitano criou mecanismos legais de regulação de acesso aos
escravos indígenas, como a decretação de guerra justa pelo Rei e, depois por
autoridades civis e religiosas por ele designados, e o direito de manter o
resgatado ou “índio de corda” em seu poder. A guerra justa era travada contra
aqueles que resistiam à catequese, hostilizavam – leia-se reagiam à invasão de
suas terras, ao aprisionamento e a tentativa de convecimento de descerem para
os aldealmentos - súditos da Coroa portuguesa e quebravam pactos celebrados. O
resgate consistia na troca de mercadorias por índios prisioneiros de outros
índios.
Os aldeamentos eram sítios de moradia de indivíduos
de uma ou mais tribos, deslocados, misturados, assentados e administrados por
autoridade do governo metropolitano, missionários ou particulares. Conforme
regia a lei, os índios aldeados só poderiam ser contratados por particulares
através do pagamento de um salário. Apesar de ter sido instituída desde 1548, a
criação dos aldeamentos só ganhou maior impulso com a presença do terceiro
governador geral, Mem de Sá (1557-1572), destacando-se dentre as muitas guerras
por ele movidas, a do Paraguaçu.
Em pouco tempo os
índios foram sistematizados em duas categorias gerais, sendo uma antítese da
outra, tupi e tapuia. Vários autores quinhentistas adotaram essa categorização
criada pelos tupi para se diferenciarem dos seus inimigos. Soares de Sousa
inicia seu relato no Tratado descritivo
do Brasil sobre os índios explicando como era caracterizada essa divisão.
Os tupis eram vistos como aliados, àqueles que aceitavam aldear-se sob o
domínio português em vários pontos da colônia. Já os tapuias, eram descritos
como moradores dos sertões, inimigos e nômades, sendo-lhes atribuída a
denominação de “bárbaros”.
Vinda da Grécia, a
palavra “bárbaro” era utilizada para classificar os inimigos. Na Idade Média foi
aplicada aos não cristãos, característica que continuou a fazer parte do conceito
durante o período colonial na América. Além deste termo – já existente na
Europa e trazido pelos colonizadores – ter sido associado aos índios e passou a
ser usado pelos europeus e a ser representado por vários artistas em seus
quadros.
Porém, essas
descrições e imagens eram reproduzidas, na sua maioria, por autores que nunca
habitaram as colônias ou viram tais habitantes. Assim, como outros conceitos
trazidos pelos europeus ao Novo Mundo, o conceito “bárbaro”, estabeleceu um
imaginário, que criado na metrópole, acabou sendo aplicado na colônia e
determinou como esses habitantes foram integrados ao Novo Mundo que se formava
na América. Isto é, o argumento de que tais grupos indígenas pertenciam ao
grupo Tapuia, foi amplamente utilizado para justificar as formas a
conversão,
escravização e as guerras justas feitas aos índios.
Os missionários
desenvolveram sua ação redutora a partir das idéias eurocentritas e da política
de expansão. Para eles, educar os índios “bárbaros” fazia parte da missão de
lhes conceder a humanidade através da graça divina. Fazer dos tapuias cristãos
era uma das maneiras de se tratar com a bárbarie, porém, caso a religião não
fosse aceita, era - lhes reservado o fogo e a espada.
A forma de viver
dos habitantes dos sertões era uma das maneiras que os missionários encontravam
para caracterizar certos grupos como bárbaros. Cartas do século XVI escritas
por Juan de Azpilcueta Navarro aos padres irmãos de Coimbra, relatam o
testemunho da idéia que os missionários tinham dos Tapuias:
Tapuzas
que es un género de indios bestial y fiero, porque andan por los bosques como
manadas de venados, desnudos, con cabellos muy largos como de mugeres. Su habla
es muy bárbara, y ellos muy carniceros. (...) comumente no tienen superior, lo
qual es causa de todos os males. Tienen tal ley entre si que recibiendo el
menor dellos una unjuria de los cristianos, se juntam todos a vengarla. Son
pobrísimos, ni tienen cosa propria ni particular, antes comen en común lo que
cada dia pescan e caçan.
Afirmava Soares de
Sousa que esses “bárbaros” viviam soltos pelo sertão, “são tantos e estão divididos em bandos, costumes e linguagem, para se
poder dizer deles muito”. Aos poucos os portugueses foram estabelecendo
nomes para cada grupo, apesar dessas nomeações provavelmente não serem fiéis às
divisões indígenas. Era, porém, uma forma de identificá-los. E através de tais
nomenclaturas foi possível classificar e fazer análises sobre grupos
localizados no interior do continente.
O nome de um grupo
teve destaque na documentação que relata as guerras de conquista do sertão do
Paraguaçu: os paiaiás, Havia inúmeras comunidades indígenas nessa área, alguns
tupis - tupinambás que viviam próximo ao litoral e os tupinaês que ali buscaram
refúgio depois de terem sido expulsos pelos tupinambás das bordas da Baía de
Todos os Santos – e os subgrupos kiriris :
- sapuyás, payayás e os maracás (provavelmente um subgrupo payayá que
vivia ao sul do Paraguaçu) - que se
localizavam mais para dentro do continente. Apesar de permanecerem localizados
no interior do continente no século XVI, esses grupos costumavam se deslocar
para o litoral no verão, onde realizavam seus rituais.
A presença
portuguesa a partir da segunda metade do século XVI, a criação de engenhos,
roças e lugarejos, aldeamentos jesuíticos e particulares, além do uso de índios
aldeados para evitar deslocamentos de grupos inimigos do sertão, impediu a
circulação desses grupos em direção ao litoral. Além desses empecilhos para
chegar até a costa, os paiaiás passaram a enfrentar também os colonos que iam
ao sertão em busca de minérios e de áreas para a pecuária e agricultura e
aprisionavam índios adentrando seu território.
No entanto, a
referência maior aos conflitos com esse grupo do sertão é encontrada a partir
da segunda metade do século XVII quando se inicia a conquista do sertão.
Guerras que também foram um reflexo das querelas no continente europeu
irradiando suas consequências sobre a colonização portuguesa na América.
GUERRAS DO
RECÔNCAVO
O conflito luso-holandês
ameaçava às conquistas lusitanas na África e na América. Alencastro divide esse
momento de conflito com os Países Baixos em cinco fases. A guerra de corso no
Atlântico (1621-30), depois a resistência ao ocupante (1630-37), a colaboração
com o ocupante (1637-45), a restauração da soberania portuguesa (1645-54) e o
ataque lusitano e brasílico em Angola (1648-65). Nosso interesse sobre a
questão holandesa na colônia portuguesa se limita a entender como o domínio da
West-Indische Compagnie (WIC), sobre o tráfico atlântico atuou sobre as formas
de trabalho existente na colônia no início do XVII.
A Guerra do Corso
iniciada em 1621 é substituída, após a fundação da WIC, pela invasão à Capitania
Real da Bahia, sede do Governo Português na América, e ataques a outras
capitanias na América e na África. No mar, os tumbeiros eram saqueados pelos
holandeses. Devido às dificuldades de circulação pelo Atlântico o tráfico
escravo africano sofre uma baixa no início e na segunda metade do século XVII,
particularmente após a conquista de Angola na costa da África.
Esses problemas
intensificam o apresamento de índios na América Portuguesa no início do século
XVII. As autoridades baianas enviam tropas ao sertão no intuito de capturar
tapuias no Paraguaçu. Afonso Rodrigues Adorno86, bisneto de Caramuru e
descendente de caçadores de índios, é enviado junto com as tropas e em 1628
volta com “muitas peças” do sertão. Apesar de mão-de-obra indígena ser
essencial para a manutenção do sistema produtivo colonial, os mecanismos de
regulação da escravidão indígena persistiram. E, para isso, os governadores
utilizavam, cada vez mais, argumentos enganosos para obter a mão-de-obra
necessária.
“Perigo
em que estava esta Capitania da Bahia com os incursos, e entradas que fazião os
Indios levantados chamados da Santid(ad)e, os quaes por vezes derão nas
fazendas e corraes dos moradores com mão armada, assim no Paraguassú, no Aporá,
e Maragogipe como em Jaguaripe, chegando as cazas dos moradores, e matarão
homens brancos, e negros e ferirão outros, e matarão muito Gado Vacum, e hora
ultimam(en)te deo em Jaguaripe onde matarão homens brancos, e negros, e
frecharão outros, e mais matarão se não fugirão os brancos e destruirão o
engenho de Nicolao Soares, roubando-o de m(ui)ta ferramenta, e fabrica, e
levando lhe huá india, e gado, e outras couzas com que ficarão os moradores
receozos de viverem a lî, e tratado de despovoar as Fazendas, e suas moradas
antigas havendo grande parte dos ditos Indios q(ue) andão hoje actualm(en)te
nos matos dos d(it)os Limites e por ser materia de tanto damno e prejuizo desta
Terra e quietação della”.
Nesse documento
vemos que a jornada que Alencastro cita como tentativa de captura de índios no
sertão foi viabilizada por um dos métodos tradicionais: a criação de argumentos
para a decretação de guerra justa. No caso, a hostilidade aos súditos de
Portugal e prática de rituais pagãos. Apesar de Afonso Rodrigues Adorno obter
êxito na sua investida, não encontramos nenhuma outra referência de jornadas ao
sertão com pedido de guerra justa no início do século XVII para captura de
índios no Paraguaçu. Principalmente porque os membros dessa família estavam
ausentes, protegendo território dos inimigos holandeses ou combatendo em
Pernambuco.
Foi na segunda
metade do século XVII que se reiniciaram as guerras no sertão do vale do
Paraguaçu. Com a expulsão dos holandeses de Pernambuco e das capitanias anexas,
algumas dificuldades econômicas passaram a surgir na colônia. Em meados do
século XVII dá se início a abertura do sertão das capitanias do Norte. O embate
entre os conquistadores e grupos indígenas habitantes da região tornou-se,
então inevitável.
CONQUISTA DO SERTÃO
DO PARAGUAÇU
A expansão para o
sertão tornou-se um passo necessário até para atividades econômicas empreendidas
no litoral. O principal fator que levou os colonos a valorizarem mais as
atividades internas foi à dificuldade que encontraram de vender seu produto de
exportação mais significante: o açúcar. O crescimento da produção antilhana
provocou uma crise sofrida pelos senhores de engenho. A restrição de mercado
para o açúcar devido à concorrência das Antilhas foi agravada pelas taxas que
lhe foram impostas para pagar o acordo estabelecido com a WIC, visando garantir
sua retirada, evitar nova invasão e sustentar tropas portuguesas em Pernambuco
e Bahia. A consequente inflação dos preços dos escravos, dado a sua crescente
procura na África, também agravou a situação dos senhores de engenho na colônia
portuguesa.
Logo, a abertura do
sertão se tornou, para os governantes e os colonos, uma solução para as
questões e dificuldades pessoais e governamentais na segunda metade do século
XVII. A partir de então a Coroa ampliou os estímulos visando promover à sua
abertura, reconhecendo que as novas atividades estabelecidas neste território
poderiam repor as perdas financeiras decorrentes das dificuldades peculiares do
trato colonial naquele momento.
Puntoni acredita
que na historiografia tem se relegado um papel secundário à pecuária,
atribuindo à mineração a sustentação e ocupação do sertão. O povoamento do
interior foi obra desses dois movimentos, porém, foram realizados em períodos e
de formas diferentes. De um lado estava a mineração que provocou um
deslocamento populacional rápido e intenso em fins do século XVII, e de outro
estava a pecuária que, ao contrário da mineração, se expandia de forma gradual
e mais lentamente desde o século XVI.
A criação de gado
era uma atividade já praticada na colônia desde o estabelecimento das vilas,
sendo uma atividade econômica acessória ao complexo açucareiro, por fornecer a
tração animal para o maquinário, especialmente para a moenda e para o
transporte das mercadorias. O boi também era usado como alimento e o seu couro
servia de embalagem aos rolos de tabaco ou era exportado como matéria-prima
para Portugal.
Porém, um dos
problemas enfrentados pelos criadores era a necessidade de espaço físico para
expandir suas atividades, o que ocorreu nas zonas de fronteira entre o sertão e
os canaviais. Os conflitos entre os prepostos dos grandes pecuaristas, índios e
pequenos proprietários se agravaram, pois algumas roças e plantações eram
estragadas pelos animais criados em pastos abertos.
Convém destacar que
a pecuária extensiva não exigia grandes investimentos, mas sim, espaço, o que permitia
a participação de vários segmentos sociais. Como cita Puntoni, “levantada uma
casa coberta pela maior parte de palha, feitos uns currais introduzidos os gados,
estão povoados três léguas de terra e estabelecida uma fazenda.” Ante o
acirramento das relações entre agricultores e criadores de gado, em 1701 a Coroa
Portuguesa estabeleceu uma lei que proibia a criação de gado a menos de 10
léguas da costa. No caso das Capitanias do Norte, uma das principais rotas de
expansão do gado que partia da Bahia, usava como eixos centrais de deslocamento
os Vales dos rios São Francisco e Itapicuru.
O incentivo à
expansão da pecuária proporcionava outros benefícios a Coroa. A abertura de
caminhos dentro da colônia permitia que o controle régio fosse ampliado até o Maranhão,
conectando-o ao resto da colônia por terra. Afinal, o transporte marítimo que
fazia a ligação do Brasil com o Grão Pará era praticamente impossível devido ao
regime dos ventos dominantes acima da Paraíba, os quais inviabilizavam as
navegações para o norte do Hemisfério Sul. A ocupação francesa daquela região
por vários anos deixara claro para a Coroa Portuguesa a possibilidade de vir a
perder essa parcela da América Portuguesa e o usufruto das “drogas do sertão”.
Para compreendermos
como a expansão desse projeto atingiu a Capitania do Paraguaçu, convém lembrar
que o rio era o caminho de acesso aos rios Jacuípe e São Francisco. Além disso,
o vale foi definido como divisor dos Sertões de Baixo e de Cima. Entende-se,
assim, porque as cartas de doações de sesmarias nessa zona determinavam a
introdução de gado nas terras concedidas, objetivando estimular a abertura de
novos espaços ainda não explorados.
Na carta de criação
da freguesia de Cachoeira, então denominada de Nossa Senhora do Rosário do Porto
da Cachoeira, originada a partir da criação de engenhos e fazendas de Paulo
Dias Adorno, está registrado que “saem da
Vila de Cachoeira diferentes estradas, o que concorre muito pra fazê-la famosa,
pois que tôdas as minas e sertões se vêm dar àquele pôrto” e continua, “sai
outra (para o norte) que, passando pela Vila de Água Fria, passa para as Minas
de Jacobina, corta parte do Piauí e conduz até o Maranhão”.
A acentuação do
movimento de expansão para o ocidente do continente tornou os conflitos entre
autóctones e conquistadores, antes limitados, cada vez mais frequentes. Não
poderia ser de outra forma, considerando-se que a condição para a conquista
desse território estava em controlar os grupos ainda resistentes às condições
de dominação impostas pelos europeus.
A guerra do
Recôncavo perdurou entre 1651 e 1679. Começam pelo Paraguaçu, que era a porta
de entrada dos sertões da Bahia, tornando-se Cachoeira base para todas as
entradas empreendidas nesta área. Apesar de considerarem seu fim em 1679, as
guerras nos Sertões de Cima e de Baixo, continuaram, após esta data, abrindo
caminhos pelo interior do continente baiano.
As “jornadas do
sertão”, também chamadas “entradas” ou “bandeiras”, eram o movimento de tropas
patrocinadas pela autoridade competente para ir ao sertão no objetivo de
descer, escravizar e eliminar grupos indígenas. No caso das entradas destinadas
à punição de grupos indígenas ou à captura de escravos, era garantida a
legalidade pelos termos da lei de 24 de fevereiro de 1587. Os “tapuias” eram os
mais visados por essas expedições. Habitantes do sertão, na sua maioria ainda
não haviam sido dominados pelos europeus, ao contrário da maioria dos grupos
tupi, considerados índios aliados e que tiveram seu contingente populacional
drasticamente reduzido com as epidemias e as condições de vida que lhes eram
impostas nos aldeamentos.
Ao longo do século XVII, a seleção para o
capitão-mor, responsável pelas jornadas, era antecedida por um “concurso” e
depois por uma consulta do Conselho Ultramarino, quando não era feito pelo
governador da capitania principal. Abria-se prazo para lançamento de
candidaturas na qual se indicava o mais votado pelo Conselho através de
fundamentações que relatavam os feitos militares de cada candidato em prol do crescimento
da colônia. Em meados do século XVII a maioria das candidaturas foi aceita, o
que nos leva a crer que a alta demanda por capitães para as guerras de conquista
do sertão causou tal fato.
Na tentativa de
compreender os novos padrões estabelecidos entre Império e as nações indígenas,
Puntoni, afirma que a liberdade de alguns grupos indígenas foi preservada pela
ação da Coroa e dos missionários e pela própria decisão dos indígenas em se
aldearem ou construírem alianças. Tal circunstância contribuiu para a difusão
do trabalho escravo africano entre o século XVI e XVII. Política que os
beneficiou – entenda-se, livrou os ditos “mansos” de uma forma de escravização
direta - por um tempo e depois se inverteu. Segundo Alencastro, o fluxo regular
do tráfico negreiro acabou por diminuir a importância dos índios dentro do
sistema escravista, transformando-os em empecilhos para o desenvolvimento de
novas atividades econômicas no sertão. A ação sucessiva de guerras justas na
segunda metade do século XVII tinha como objetivo central destruir ou dominar
as aldeias indígenas do sertão, abrindo caminho para uma nova forma de
colonização no território conquistado. Nunca haviam se mobilizados tantos
esforços para fazer frente aos resistentes ocupantes do vasto território no
continente: “abria-se a via à sua
exterminação”.
A esse projeto de
ordem coletiva e metropolitana, há de se acrescentar, para a plana compreensão
do empreendimento, que havia também um objetivo de caráter individual entre os
conquistadores: a conquista dos incentivos oferecidos pela abertura do sertão e
pelas guerras travadas e pela captura de diversos grupos étnicos do interior do
continente. Logo, esses momentos de
conflito terminavam por beneficiar os senhores que praticavam essas
atividades.
GUERRAS CONTRA OS
PAIAIÁS
Uma das peças
administrativas mais representativas da forma de pensar e organizar a Guerra do
Recôncavo é o documento encaminhado em 1669 à Coroa pelo Governador Geral
Alexandre de Souza Freire (1667-1671). Nesse documento, o governador relata o
que supostamente foi toda a trajetória de luta contra os “Bárbaros” do sertão,
dentre eles, os paiaiás que habitavam o vale do Paraguaçu. A
narrativa do governador tinha o objetivo central de convencer o Governo
Metropolitano de que esses índios representavam perigo e prejuízo para os
colonos das freguesias do Recôncavo e que, mesmo estabelecendo uma política de
paz com eles, os paiaiás resistiam. Da
mesma forma recusavam as ofertas para descerem “pacificamente para os aldeamentos
à beira do Paraguaçu. Assim sendo, Freire enquadra seus argumentos de forma a
obter autorização para a decretação de guerra justa: a resistência à catequese,
a hostilidade contra os súditos e a quebra de pactos de aliança. Através desses
argumentos, o governador geral obtém autorização para mover guerra aos paiaiás,
que viviam na Serra do Orobó, para matá-los e destruir suas aldeias, que,
conforme afirmava, seriam a única forma possível de sanar de vez o problema com
esses índios do Sertão do Paraguaçu.
Índios Payayá matam assassinos paulistas |
A decretação de guerra justa é uma das
complexas e variadas relações estabelecidas entre a Coroa, seus
administradores, colonos, missionários e indígenas. O que podemos identificar
como padrão nessa diversidade é o olhar etnocêntrico dos portugueses sobre os
índios, o que explica os exageros usados nas missivas destinadas a obter
permissão para fazer guerra aos grupos dos sertões.
Destaque-se que mesmo havendo uma clara
legislação sobre apresamento e escravização indígena, os colonos não eram
impedidos de adotar práticas que contrariassem os princípios legalmente
estabelecidos. É claro que alguns princípios eram claramente desrespeitados,
sendo os mais comuns à escravização dos silvícolas ao arrepio da lei, a invasão
dos aldeamentos jesuíticos e o não pagamento dos salários aos aldeados
contratados. Projetos distintos e ritmos distintos na ressocialização dos
índios administrados explicam os constantes conflitos entre colonos e jesuítas.
O que destacaremos nesta análise é como esse conjunto de leis era usado para
justificar o estabelecimento de alianças, os aprisionamentos e os massacres
durante a Guerra dos Bárbaros.
Um dos mecanismos de dominação mais comumente
usado pelos colonos foi o de explorar os conflitos internos dos grupos
indígenas. Graças a essas estratégias, foi possível aos portugueses
aproveitarem-se desse traço da organização social das sociedades indígenas,
acirrando as divergências entre eles para, assim, promover alianças com alguns
grupos e usá-los para combater outras tribos inimigas daquelas com as quais se
aliavam.
O Governador-Geral, Souza Freire reclama, na
sua correspondência, que os ataques indígenas ocorridos às vilas de Campos de
Aporá, Cachoeira, São Bartholomeu de Maragogipe e locais próximo aos Rios de
Jaguaripe e Jequiriçá e Paraguaçu aconteciam desde o início do século XVII.
Porém, as Guerras do Recôncavo só foram iniciadas em 1651, durante a expulsão
dos holandeses e no momento em que ocorria a expansão das áreas cultivadas no
Recôncavo para fazer frente ao pagamento e fornecimento de alimentos às tropas
portuguesas estacionadas em Salvador. A reação dos indígenas a essa nova
expansão fez com que o Governador-Geral, Conde de Castelo Melhor, em 1651,
promovesse uma expedição que, partindo de Camamu, deveria destruir as “Aldeias de que tem suspeita que descem”,
ou seja, os grupos que desciam para fazer estragos nas Vilas do Recôncavo.
Uma tropa foi organizada para sair de
Cachoeira onde foram reunidos índios sob a administração dos Rodrigues Adorno e
que teve a participação de “alguns
holandeses” que entraram na jornada interessados no “prêmio da presa” que o conde prometia na intenção de estimular os
ânimos.
A documentação consultada sugere-nos que essa
expedição, que partiu do litoral, serviu mais para identificar as tribos que
povoavam as áreas do sertão de cada região do que para combatê-los.
Em setembro de 1651 Gaspar Rodrigues Adorno
recebe patente de “Capitão mor de toda a gente que vae á Jornada do Sertão”
para que ele pudesse
“reduzir
ao conhecimento da nossa Santa Fé Catholica e obediência das armas de Sua
Magestade (Deus o guarde) as Aldeias que se quizerem sujeitar a ellas por paz,
e conservar nossa amisade, e commercio, por ser o meio mais efficaz para segurarem
os moradores do Recôncavo da guerra que o mesmo Gentio lhes faz”
O Conde de Castelo Melhor também o nomeu, na
mesma patente, capitão-mor de toda infantaria paga da Ordenança e índios,
pedindo que por onde Rodrigues Adorno passasse lhe dessem ajuda para a jornada
do sertão.
Para tal jornada, foram recrutados alguns
capitães que ficaram à frente das tropas da Infantaria. Foram convocados o
alferes Agostinho Pereira, irmão de Gaspar Rodrigues Adorno, que era o primeiro
na linha para suceder o capitão em caso de morte, o ajudante Manuel da Costa,
segundo na via de sucessão e Simão Rodrigues.
Podemos identificar a primeira forma de
resistência indígena na narrativa do Governador-Geral Alexandre de Souza Freire
sobre o resultado da entrada realizada por Gaspar Rodrigues Adorno em
1651.
“entrando
pelo Juquiriçá acima, descobrindo as primeiras duas Aldeias Inimigas, pelejando
aquelle dia com os Barbaros, lhe não matou mais que quatro; e pondo elles
mesmos fogo ás suas Aldeias se metteram pelos mattos, e o Capitão-mor se
retirou”.
O fracasso da entrada foi atribuído à
ausência de confronto direto com o grupo indígena encontrado na área, o que nos faz
supor que estes possivelmente haviam se retirado após terem sido informados da aproximação
das tropas coloniais. Esse tipo de comunicação intergrupal era bastante comum,
tendo sido identificada em outras áreas coloniais, havendo casos de
estabelecimento de alianças entre tribos inimigas para lutarem contra seu
inimigo comum, como afirma Maria Idalina Pires. Há, ainda, que se considerar a
hipótese dos próprios paiaiás terem seus informantes espalhados pelas rotas de
penetração usadas pelas entradas para assim poderem se proteger.
A segunda investida aos paiaiás de Rodrigues
Adorno no governo do Conde de Atouguia não apresenta um resultado detalhado
da entrada, porém o documento indica que na luta contra esse grupo, as tropas
luso-brasileiras não obtiveram sucesso. Na verdade, nos deparamos com o
insucesso das várias jornadas organizadas com o objetivo de combater esse mesmo
grupo indígena.
Os capitães das tropas culpavam as poucas
provisões que haviam sido
disponibilizadas para a jornada. Assim
podemos observar na carta do Governador-Geral, o Conde de Atouguia (1654-1657),
enviada aos oficiais da Câmara de Salvador em 1654, pedindo mantimentos e armas
para uma nova jornada ao Sertão do Paraguaçu. Ele preocupa-se em justificar o
grande pedido de mantimentos dizendo que
“...
Ainda que pareçam grandes é maior o prejuizo que se pretende evitar: e o
Capitão-mor Gaspar Roiz Adorno que tenho nomeado cabo para esta facção se não
atreve emprehendel-a com menos poder, fundado
nas experiencias passadas em que a falta delles e das prevenções que era justo
levar-se, o obrigaram a retirar-se sem obrar cousa alguma e animaram ao gentio
a que descesse com menos temor a continuar as hostilidades de que o Reconcavo
se queixa”. (destaque nosso).
O conde determinou que o irmão de Gaspar
Adorno também participasse da jornada de 1654, nomeando o sargento-mor
Agostinho Pereira, seu irmão, como seu substituto “por sua morte, em seu logar
com os mesmos poderes, e jurisdição” “e, na de ambos (o que Deus não permitta)
ao Capitão Francisco Dias seu cunhado” e outros sucessivamente citados por
ordem mais próxima de parentesco. Essa forma de organizar uma jornada
identifica a íntima associação entre empreendimento oficial e interesses
particulares, que, neste caso, se explica por ser a região parte da propriedade
da família Adorno.
Nesse ano, de 1654, Luis da Silva tinha
estabelecido relações com os índios da aldeia do Itapicuru, obtendo autorização
para reuni-los e administra-los no objetivo de engordar as tropas que seguiriam
ao sertão. Assim, o Conde de Atouguia mandou Luis da Silva incorporar quatrocentos
índios à tropa de Rodrigues Adorno.
Em dezembro de 1654 é passado um regimento a
Gaspar Rodrigues Adorno, assinado pelo Conde de Atouguia, com todas as
coordenadas e exigências para a nova “jornada do sertão”. Ela deveria ser
organizada com provimentos, tropas e armamentos e partir de Cachoeira, local
estratégico e “Boca do Sertão.” O regimento é composto por quinze ítens dos
quais o sexto possui dois trechos que valem ressaltar. O primeiro trata-se do
objetivo central da jornada e do motivo pelo qual a última tentativa de
conquista não havia dado certo,
“(...) que
estas se desbaratem totalmente se destruam todas as mais de que podendo ser
(pode descer?) gentio a continuar as mesmas hostilidades, e já em consideração
dellas se intentou o mesmo cargo do proprio Capitão-mor, e por (não) levar
poder, e prevenções necessarias, nem o seu Regimento lhe dar logar a seguir
outra derrota, que a se limitava, se malogrou o effeito, e ficaram aquelles
Barbaros com maior motivo de frequentarem os excessos que hoje padece todo o
Reconcavo: considerando eu que se não pode dispor neste Regimento sobre a forma
da mesma jornada, e marcha della, e eleição dos caminhos, cousa alguma com
certeza de seu acerto pela falta das noticias evidentes, conhecimento daquellas
Campanhas, disposição dos mesmos Barbaros, e distancia de suas Aldeias, o que
tudo se obra melhor com a experiencia, e conhecimento dos mesmos accidentes que
o tempo, e as ocasiões mostrarão (...)”
Para a família Rodrigues Adorno, habitantes
do vale do Paraguaçu desde o século XVI, os caminhos do sertão não eram tão
desconhecidos, porém, as novas jornadas empreendidas no século XVII implicavam
em deslocamentos por rotas difíceis para os portugueses, o que os deixava a
mercê dos índios que os guiavam nas entradas. De acordo com essa informação,
podemos afirmar que os mesmos fatores que atrasavam os portugueses eram também
os que beneficiavam os grupos indígenas em todo o sertão: a falta de
conhecimento que os lusitanos tinham do interior, as tropas mal organizadas e
principalmente as manobras executadas pelos “tapuias” que eram recrutados para
fazer parte das guerras de conquista. Afinal, o capitão-mor não tinha total
ciência do caminho a ser percorrido até as “aldeias inimigas”. Assim, os índios
aliados e agregados à tropa proporcionavam aos portugueses longos “passeios”
pelos sertões adentro, deixando-os cansados, sem mantimentos e muitas vezes sem
contingente para continuar as entradas.
Em outro trecho do regimento enviado a Gaspar
Adorno vemos que, mesmo sendo dado a ele “arbitrio
livre a disposição absoluta, e eleição do caminho que deve escolher, para o
dito fim”, era necessário tomar “porém
sempre o parecer e voto dos Indios, e Tapuyas mais noticiosos e que melhor
informação lhe dêm do sertão, que ha de penetrar, e Aldeias que ha de destruir”.
Logo em seguida localizamos uma carta datada
de janeiro de 1655 enviada por Gaspar Rodrigues Adorno e Luis da Silva à
Camara de Salvador relatando os acontecimentos ocorridos na referida jornada ao
sertão. Nesta carta identificamos a dependência do capitão-mor da jornada em
relação aos “tapuias” que o acompanhavam, seu parco conhecimento sobre a área e
suposto medo por estarem com índios “tão Barbaros”, o que o obrigava a admitir,
“... Que o mais conveniente caminho, que se
deve seguir (por voto dos Tapuias, e indios mais praticos do sertão) para ser
feliz a entrada que elle o faz, é o do Tapocurú a que Gaspar Rodrigues se
resolveu, deixando o de Jacuippe como tinha assentado, não só por ser o parecer
commum, que fosse antes pelo Tapocurú, mas ainda por se ver impossibilitado a
seguir a jornada faltando-lhe os Tapuyas (principal instrumento da conservação,
e bom sucesso da gente que leva) os quaes se deliberaram a não querer
acompanhal-o, se não marchasse pelo Taporocú cujas conveniencias seguravam o
fim que se pretendia, e elles o gosto com que se dispunham a ir (...) E como
elles são tão Barbaros, e nesta occasião em que depende todo o bom successo da
facção da benevolencia com que devem ser tratados, nem é possivel
constrangel-os.”
A partir de relatos como esse, é possível
lançar uma hipótese de que os silvícolas matinham relações de solidariedade entre si,
nesse caso entre os índios que compunham as tropas - possivelmente os
kiriri-sapuyá, também um subgrupo kiriri - e os paiaiás, grupo perseguido. As
técnicas usadas para afastar os colonos variavam desde a escolha de trajetos
que não conduziam ao destino estabelecido até o aviso aos paiaiás da chegada
dos colonos, o que lhes permitia refugiaram-se nas matas mais interiores longe
da área de circulação das tropas. Essa análise fundamenta-se, dentre outros
documentos, num trecho acima citado, quando diz que os índios “se deliberaram a não querer acompanhal-o”. A
recusa em não seguir o caminho que não fosse o deles é uma demonstração das
formas de resistência e de tentativas de controle sobre a circulação das tropas
e dos grupos que seriam confrontados.
O que temos aqui também são duas perspectivas
sobre um mesmo evento. Da mesma forma que os portugueses usufruiam das
instruções e da força dos indígenas para combater grupos inimigos, os próprios
índios poderiam estar, na verdade, aproveitando-se dos portugueses para
combaterem seus inimigos.
Através do Termo de Assento elaborado por
Souza Freire, podemos constatar que Gaspar Adorno voltou ao sertão em 1655 e
tentou fazer paz com os “Payayas” produzindo o seguinte efeito:
“...
Chegando a certas Aldeias dos Payayases, que os receberam em Som de Guerra, se
recolheu a esta cidade naquelle anno sem os destruir; deixando feitas pazes: as
quaes elles não cumpriram: porque logo nas suas costas desceram a fazer as
hostilidades costumadas”.
Nesse momento, no início da Guerra do
Recôncavo os portugueses queriam, além de conquistar o território, engordar o
contingente de tropas para as batalhas posteriores. Para tanto era preciso que
se aliassem aos indígenas ou os fizessem descer para os aldeamentos. No caso
dos paiaiás, os portugueses tentam estabelecer relações de paz com eles
inúmeras vezes sabendo que poderiam ser bons aliados contra outros grupos mais
fortes. E, posteriormente, como iremos analisar, tentaram faze-los descer para
as margens do Paraguaçu para usá-los como muralhas vivas contra outros grupos
indígenas que atacavam as vilas do Recôncavo.
Consciente de que as investidas do
capitão-mor Gaspar Adorno não surtiram os efeitos esperados, o Conde de
Atouguia manda o capitão-mor Tomé Dias Lasso castigar os índios que voltaram a
dar prejuízos às vilas do Recôncavo, porém ressalta que caso as
“Nações
Barbaras, que vae destruir achar algumas Aldeias, que voluntariamente obedecem
as armas de Sua Magestade, e queiram ter paz e commercio com os
Portuguezes, e entender que não é resolução nascida do temor, senão de animo
fiel e amigo, o dito Capitão-mor assentará pazes com elles, e os contentará com
resgates, e lhes fará mudar as Aldeias, para a vizinhança do mar, donde
receberão o baptismo, e conhecimento de nossa Santa Fé Catholica, poderão ser
mais uteis ao serviço de Sua Magestade, e elles gosar as conveniencias, que se
lhe podem resultar de nossa comunicação, e trato.”
A jornada de Tomé Dias Lasso também tem o seu
fim narrado pelo governador Alexandre de Sousa Freire em 1669,
“(...)
voltou da Jornada sem obrar mais que renovar pazes com as mesmas Aldeias; e
fazel-as de novo com outras ma ........ trouxe comsigo uma Rapariga, que lhes
deram, por filha de um principal, em refens das ditas pazes, e segurança, da
promessa que lhe fizeram, de que brevemente desceriam com suas Aldeias a viver
junto a nós; e a uma, e outra cousa faltaram; porque nem desceram, nem deixaram
de repetir todos os annos, uma e muitas vezes seus assaltos, e latrocinios.”
Temos duas hipóteses para explicar as
constantes afirmativas de que os paiaiás não respeitavam os termos dos acordos
estabelecidos: o fato dos portugueses desconhecerem o que seria considerado
como “aliança” pelos índios e se utilizar dessa justificativa para conseguir a
autorização para a decretação de guerra justa a esse povo. Até mesmo quando
Souza Freire aponta como sinal de estabelecimento de aliança o fato de Tomé
Dias Lasso ter levado consigo “uma
Rapariga, que lhes deram, por filha de um principal”, percebemos seu
desconhecimento da organização social de um grupo Ge. Sua análise do fato é
feita a partir da regra do cunhadismo, elemento da organização social dos
tupis, mas que nada tem a ver com a organização social kiriri. Logo, não é de
surpreender o estranhamento do governador-geral quando afirma que, mesmo após
este ato, os índios não quiseram descer e continuaram a exercer “assaltos, e
latrocinios”. A outra hipótese está relacionada às formas de resistência
desenvolvida por esse grupo, da mesma forma que os portugueses eram
dissimulados nas alianças que construíam, os grupos indígenas também poderiam
se utilizar dessa mesma característa no intuito de se preservarem ainda que
mantendo relações com os brancos.
Os conflitos e alianças entre os portugueses
e os paiaiás vão permear todo o período das guerras de conquista no sertão do
Paraguaçu. Afinal, era de suma importância ultrapassar a barreira que dava
acesso aos sertões da Capitania da Bahia e das demais ao norte e ainda se fazia
necessária à conversão de índios inimigos em mão-de-obra para a sociedade
colonial, em especial para os administradores de aldeamentos da família
Rodrigues Adorno.
Com a chegada do novo governador-geral
Francisco Barreto de Menezes, em 1657, o conhecimento do sertão vai se tornar
maior devido a sua estratégia de estabelecer casas fortes nos caminhos do
interior para servirem de base para as tropas que iam às conquistas, projeto
que Gabriel Soares de Sousa e sua tropa não conseguiram concluir no final do
século XVI. Então, em outubro do mesmo ano, Francisco Barreto manda o
sargento-mor Pedro Gomes, grande proprietário rural nessa parte do Sertão do
Norte, acompanhado de Gaspar Rodrigues Adorno, abrir caminho de Cachoeira até a
Serra do Orobó e depois construir uma casa forte no local.
Além de guardarem mantimentos e soldados, as
casas fortes também tinham o objetivo de fixar colonos no sertão sem
permitir que o caminho traçado até alí fosse novamente tomado pelos índios. No
regimento referente a essa empreitada foi determinado que Pedro Gomes “praticará com o mesmo Gaspar Roiz, e mais
pessoas, e Indios de maior experiencia, a parte por donde se deve dar principio
a abrir a estrada, examinando primeiro com particular attenção todas as
noticias que poder alcançar do caminho do Gentio.”
Uma das casas fortes estabelecidas nessa
ocasião foi comandada, a partir de 1658, por Francisco de Brá na Serra do
Orobó. Brá também deveria combater os resistentes da região,
“Assim
como chegar á mesma casa forte, ordenará ao Capitão de Brá tome entrega della,
a qual lhe fará o Capitão Phelipe Coelho, a quem dará recibo da quantidade de
farinhas, munições, ferramentas, e tudo o mais, que alli houver, perfazendo-lhe
trinta Infantes, não os tendo a sua Companhia para ficarem em guarda da mesma
casa forte”.
A construção dessa casa forte na Serra do
Orobó provocou a reação dos indígenas da região desencadeando conflitos,
particularmente, com as tropas comandadas por Gaspar Rodrigues Adorno e Pedro
Gomes, responsáveis pela construção da casa forte e pela segurança da
empreitada. A casa forte não teve condições de ser sustentada e muitos soldados
morreram vitimados por enfermidades ou por ataques indígenas.
Por isso, no mesmo ano, o governador ordena
ao Ajudante Luis Álvares que vá a Serra do Orobó levando “as quinze Aldeias de Payayases, que assistem na Jacobina” e ainda “vinte
e cinco Infantes, para com os seus Soldados penetrarem aquelle sertão”.
Utilizando, inclusive, a ajuda das tropas da Torre de Garcia D’Ávila através de
seu tio e cunhado padre Antônio Pereira que envia seu escravo como língua na
expedição. Os paiaiás de Jacobina, aldeados por particulares e jesuítas,
constituíam-se, naquele momento, num importante contingente das tropas dessa
jornada, que tinha como um dos objetivos persuadir “aos Principaes das quinze Aldeias, (de Jacobina) que naquella Serra se
acham, se mudem com suas mulheres, e filhos, e com todos os mantimentos, que
poderem levar para a do Orobó” por terem “sido terras suas”.
Esse documento revela-nos outra prática comum
aos colonos: os descimentos e aldeamentos de grupos indígenas nos locais mais
convenientes para os projetos coloniais. No caso, os paiaiás de Jacobina haviam
sido deslocados da Serra do Orobó e quando voltara a ser conveniente,
propunha-se que retornassem para o local de origem.
Em 1658 é idealizada uma jornada de grandes
proporções comandada por Bartholomeu Aires que deveria socorrer Gaspar Adorno
na Casa Forte da Serra do Orobó, pois Pedro Gomes, proprietário da área em que
se localizava a referida casa forte, não o podia socorrer “por sua enfermidade”.
Um dos objetivos dessa jornada foi resolver
uma questão provocada pela tentativa de fazer os paiaiás de Jacobina retornarem
para a Serra do Orobó. No regimento de Aires, o governador determina ao capitão
que, ao chegar na casa forte, deveria mandar “Tapuyas especular se dão com algum rasto dos Tapuyas e dos Payayases
que mandei vir da mesma Jacobina com suas mulheres, e filhos para as Aldeias da
Serra do Orobó pelo Ajudante Luis Álvares, que com vinte cinco Infantes enviei
a esse effeito.” Observamos que, mais uma vez, os paiaiás não estavam de
acordo com exigências das tropas portuguesas e com os termos propostos para o
estabelecimento de alianças, não estavam sob total controle, não se submetiam a
todos os ditames e aproveitavam toda e qualquer oportunidade para se evadirem
do domínio colonial.
Para mesma jornada, Francisco Barreto
orientou os capitães que, ao encontrarem os paiaiás, deveria convencê-los a
descer para as margens do Paraguaçu, onde seriam aldeados. Para obter êxito, os
portugueses deveriam usar argumentos e oferecer benefícios aos que aceitassem o
novo descimento de grande interesse estratégico para os planos de conquista dos
Sertões do Paraguaçu:
“ ...
Os mais (índios) com suas mulheres, e familias desçam a alojar-se, e formar
Aldeias junto ao Rio Paraguassú donde temos a nossa casa forte; por ser parte
muito capaz de roças, e terra melhor para todo o genero de legumes, o Rio muito
farto, os mattos muitos cheios de caça, e elles ficarem mais vizinhos a nós,
mais longe de seus contrarios, e já seguros com a casa forte, para dalli
(vivendo elles sempre quietos) sairem as nossas tropas, e as suas desinquietar
os Tapuyas contrarios, e fazer-lhes guerra dentro as Aldeias mais apartadas.
E procurando com todas estas razões, e as
mais, que lhe parecer reduzil-os a que desçam para casa forte, e não fiquem no
Orobó, donde não têm tanta conveniencia, nem segurança os enviará com o mesmo
Ajudante Luis Alvares para a casa forte; dando-lhe por ordem os deixem fazer
eleição naquelle mesmo districto da casa forte, e passagem do Paraguassú da
paragem, que mais commoda lhes parecer para habitarem com suas mulheres, e
filhos, e assim o Ajudante como o Capitão Francisco de Brá lhe dêm todo (o
favor), e ajuda que for necessario para com maior brevidade se formarem as
Aldeias em que hão de viver; e os Soldados os não offendam em cousa alguma como
lhe encarrego no Regimento particular que lhe leva.
12 –
Mas se comtudo o amor que (os) Payayases têm á Serra do Orobó, por haver sido
sua, os não deixar persuadir a que desçam para a casa forte, e se resolvam a
ficar na Serra do Orobó: o Capitão Bartholomeu Aires lhes dirá que a razão de
tambem lhe não convir ficar na Serra do Orobó é a difficuldade de se levar lá a
farinha para sustento dos Soldados, que alli hão de ficar em sua guarda. E que emquanto
elles não plantam tantas roças, que se possam lá sustentar os Soldados sem, ir
farinha desta praça, serão os mesmos Principaes do Payayases obrigados a mandar
fabricar pelos Tapuyas a casa forte, todo o mantimento que for necessario para
conservação dos Soldados, que lá ficarem em sua guarda; e a partir com elles
das caças, que tiverem para seu sustento; pois ficam tão longe desta Cidade, e
faltos de tudo, só pelos defender com as armas dos Tapuyas seus inimigos”.
O objetivo de fazer os paiaiás descerem e
aceitarem aldear-se na margem do Paraguaçu está explicitado no trecho do mesmo
documento quando o governador-geral diz: “para
dalli (vivendo elles sempre quietos) sairem as nossas tropas, e as suas
desinquietar os Tapuyas contrarios, e fazer-lhes guerra dentro as Aldeias mais
apartadas.” Logo, os paiaiás deveriam ser utilizados como barreiras de
contenção contra os “bárbaros inimigos” do sertão que desciam às vilas do Recôncavo
e também seriam usados como mão-de-obra concentrada em aldeamentos.
A participação desses indígenas nessa jornada
parece ter sido essencial para o sucesso da guerra também contra os “bárbaros”
do Orobó, como se compreende da orientação bastante enfatizada no Regimento de
Aires e Brá para esperarem o grupo que descia da Jacobina para ajudar na
conquista das tribos inimigas. O objetivo dessa jornada não se restringia a
fazer guerra contra os referidos “bárbaros” da serra do Orobó, mas também o de
abrir caminhos e de ter mão de-obra suficiente pra produzir mantimentos sem que
as tropas precisassem voltar à cidade de Cachoeira para se abastecer. Ao que
parece, segundo o relato de Barreto, em um ano o caminho mais árduo foi aberto
com uma estrada até a primeira casa forte que se distanciava a 40 léguas pelo
sertão saindo da Cachoeira.
Os planos de Francisco Barreto não cessaram
por aí. Em 1657, quando a permanência das tropas no sertão estava mais segura,
o governador acertou um contrato de combatentes para a Guerra do Recôncavo com
“a gente de São Vicente” por serem “cabos mais experimentados que alli havia
nas jornadas do Sertão, em que preferem todos os do Brasil”. Francisco Barreto
assegurou ao capitão-mor de São Vicente que os paulistas poderiam ir à Bahia e
se servirem dos índios como escravos “sem o menor escrúpulo”.
Nas tropas da jornada comandada pelo paulista Domingos Barbosa Calheiros,
também participaram os paiaiás, ficando encarregados de ajudar as tropas de
paulista que foram ao Sertão do Paraguaçu localizar e destruir as aldeias
inimigas. Segundo Bandeira, tratava-se de índios maracaussus e topins, e a
expectativa da tropa era que atingissem seus objetivos, o que esperavam que
ocorresse em poucos dias:
“(...)
não resultou desta jornada maior utilidade que das passadas; antes maior
prejuizo que o das mesmas hostilidades que os moradores recebiam; porque
promettendo os payayases guiar aos nossos para as Aldeias dos Inimigos que
elles diziam nos faziam o damno; e segurando-os de que em cinco dias as veriam,
os trouxeram mais de sessenta enganados, em companhia de um crioulo do Padre
Antonio Pereyra, de quem tambem os nossos se fiaram, guiando-os ao redor por
serras invias, e montanhas asperas sem jamais nunca poderem chegar ãs ditas
Aldeias, que buscavam, usando da industria de aconselharem aos nossos que não
atirassem, para matar caça, nem cortarem pau para tirar mel, por não serem
sentidos dos Tapuyas que nos faziam o mal, e nunca estes Tapuyas que elles
diziam, se acharam; nem se podiam achar, por não haver outra nação mais que a
dos Payayases: os quaes por aquelle engano ......... baratando, cansando, e
matando á fome a nossa g ........ foram muito embora; e a desampararam
naquelles desertos, e mattos, depois de consumida, e acabada, com as doenças
miserias, e trabalhos da Jornada: e vendo o resto da nossa gente a perfidia
destes Payayases, e que ficando alguns homens na guarda
ás munições na Aldeia de Tapurice, elles os mataram, e comeram; e o mesmo
fizeram a outros na do Camisam, e a todos os que ficavam cansados ou se
apartavam; e que nõa havia outros inimigos senão elles, e como taes, a
desacompanharam, e obraram todos estes excessos, debaixo da amisade que
comnosco tinham feito; e que os poucos que tinham escapado, não podiam tomar satisfação
alguma delles; se voltaram, e havendo ido áquella Jornada mais de duzentos
homens brancos foram muitos raros os que chegaram a esta praça; e só se
experimentou alguma fidelidade em alguns Indios da Jacobina, que padeceram a
mesma fortuna (...).”
Mais uma vez constatamos como funcionava a
solidariedade entre os grupos paiaiás: sem poder para rebelar-se, os guias
voltaram a fazer a tropa rodar pelo sertão sem levá-la a lugar algum,
exterminando os inimigos portugueses através da fome, do cansaço e das doenças,
contando ainda com a ajuda do escravo de Antônio Pereira. Terminou, assim, a
última investida contra os índios paiaiás do Sertão do Paraguaçu no governo de
Francisco Barreto.
No segundo governo de D. Vasco de
Mascarenhas, o Conde de Óbidos, só encontramos uma tentativa de conquista
comandada pelo Capitão-Mor Gaspar Adorno em 1664. Outra vez a solução
apresentada para domar os índios do sertão
“ ....
É fazer descer todas as Aldeias da Jacobina (...) para as cabeceiras do Iguape,
Cachoeira, Maragogipe, e Jaguaripe, aposentando-as (...) á sua conservação, e
defensa de seus moradores; com cujo commercio, e vizinhança se irão
domesticando, e reduzindo mais facilmente á Fé Catholica, e doutrina Christã”.
O Conde de Óbidos não tomou muitas providências
contra os ataques de “índios bravos”. Segundo Puntoni, talvez o governador
estivesse mais ocupado com os problemas da epidemia de bexigas que chegou a
Pernambuco em 1666, passando para a Bahia e, posteriormente, para o Rio de
Janeiro. A justificava apresentada por não ter adotado medidas repressivas
contra os paiaiás foi a de que índios estariam mais “mansos” durante seu
governo numa inversão de raciocínio e na atribuição da responsabilidade pelos
conflitos.
D. Pedro II, em Carta Régia de 20 de fevereiro
de 1668, tornou a solicitar que fosse achada uma solução para o problema dos
índios do sertão. A “proposta sobre os tapuias” de Alexandre de Souza Freire,
tantas vezes citada neste texto por possuir uma descrição das jornadas contra
os paiaiás no Paraguaçu, foi aceita por ser considerada como viável. Esse
governador acreditava, ao contrário, do Conde de Óbidos, que os exemplos de
outros pontos da colônia indicavam “de
que só com o rigor padecido se aquietaram as insolencias dos barbaros que nella
se conquistaram; e o mesmo se viu nos annos passados com a nação dos Goytacases
na Capitania do Cabo Frio, e Parahiba do Sul; que só depois de destruidos de
todo se aquietaram”.
O pedido de autorização para fazer guerra
justa aos índios paiaiás do sertão foi aceito, mas no governo de Alexandre de
Souza Freire as guerras persistiram no Baixo Sul, particularmente em torno da
Vila de Cairu, o que talvez explique o fato do governador afirmar que os
“bárbaros” do sertão do Paraguaçu eram os responsáveis pelos incômodos sofridos
pelos moradores daquelas vilas. Quer dizer, é possível que os paiaiás
mencionados nos documentos não sejam o mesmo grupos que, segundo Souza Freire,
estavam cometendo “hostilidades” no sul da capitania da Bahia. Na verdade, o
governador se aproveitava da fama desses índios que habitavam o Paraguaçu para
fazer guerra a outros grupos próximos a Vila de Cairu.
Em 1671 chegam os paulistas, sendo retomada
às guerras contros os índios no Paraguaçu. Brás Rodrigues de Arzão e Estevão
Ribeiro Baião Parente estavam no comando das tropas, sendo o primeiro
subordinado ao segundo, tendo como base de operação a Vila de Cachoeira. Não
possuíndo mais remédio para conter os índios que permaneciam resistentes a
conquista do sertão “este Governo [mandou] buscar á Capitania de São Vicente
alguma gente da Villa de São Paulo como tão costumada a vencel-os e sujeital-os
com as pessoas de maiores experiências e valor”. Segundo Felisbelo Freire,
o objetivo desses dois paulistas era conquistar os maracás do Orobó, sendo
estes índios vencidos em 1673. Atribui-se a Arzão a conquista da Aldeia do
Camisão, e a Parente, a tomada da Aldeia de Massacará, ambas na margem esquerda
do Paraguaçu e habitadas por grupos kiriris. As tropas de paulistas levavam
consigo guerreiros indígenas do grupo do paiaiás que haviam sido aldeados por
Gaspar Rodrigues Adorno. Em 1672 ele é citado como administrador dos paiaiás,
numa patente para o ajudante Manuel Hinojosa se tornar capitão dos mesmos
índios.
“Affonso
Furtado de Castro do Rio de Mendonça etc. Porquanto os Principaes dos Payayazes
da Administração do Capitão-Mor Gaspar Rodrigues Adorno, que ora vão por ordem
minha á conquista do Gentio Bárbaro, com o Governador Estevão Ribeiro Bayão
Parente, me representaram lhes desse um cabo que particularmente os governasse,
e procurasse tudo o que conviesse a sua conservação: respeitando Eu o serviço
que vão fazer a Sua Alteza, e a ser conveniente dar-lhe Capitão em quem
concorra o valor, experiência, e mais partes necessárias ao exercício daquelle
posto; e o bem que todas estas se acham na de Manuel de Hinojosa, e a
satisfação com que me consta haver servido a Sua Alteza em Pernambuco, e Angola
em praça de Soldado, Alferes, e Ajudante da mesma Conquista, que actualmente
está exercendo: esperando delle que nas obrigações do dito posto se haverá com
a prudência que deve ter para conservação dos índios, e obrar com elles nas
occasiões que se offerecerem do Serviço de Sua Alteza, o que o dito Governador
da Conquista lhe ordenar. Hei por bem de o eleger, e nomear (como em virtude da
presente elejo, e nomeio) Capitão de todos os Payayas, e Tapuyas da Cachoeira.”
Isto é, além de já terem se tornado parte da
administração da família Rodrigues Adorno, os índios paiaiás e os “tapuyas de
Cachoeira” já compunham as tropas que iam ao sertão com os paulistas que haviam
sido contratados para reduzir outros grupos indígenas. O que indica que esses
índios já estavam sob o domínio português. A administração dos paiaiás, no
entanto, não permanece com Rodrigues Adorno. Em 1674 João Peixoto Viegas fez um
pedido para administrar os paiaiás que, segundo ele
“... Ha
nove annos deco (desceu) do Sertão para as suas terras, e fazendas de
Itapororocas, e Jacuipe o Gentio da nação Payayá em defensa do gentio bravo que
descia a salteal-as muitas vezes, roubar, e matar a sua gente como matou
dezesete escravos, roubou sete fazendas, e queimou cinco, e com ajuda dos ditos
índios fez fronteira, e se susteram os muitos moradores dos campos da Cachoeira
(...) os ditos indios Payayá foram valentes e leaes, e os que mais trabalharam
como a Vossa Senhoria é zer entender sua obrigação no serviço de Sua Alçoado
cem contínuos benefícios como se viu na occasião em que por uma desconfiança de
que os queriam matar, e captivar, sem (sic) filhos João Peixoto os ter muito
domesticado, e afei çoado com contínuos beneficios como se viu na occasião em
que por uma desconfiança de que os queriam matar, e captivar, sem filhos e
mulheres se levantaram todos, e se iam para o sertão e elle Supplicante os
seguiu pelos mattos muitas léguas, sem mais armas nem gente que quatro filhos
seus ainda meninos, e com a industria de que queria também fugir com elles
porque Vossa Senhoria os havia de enforcar e a seus filhos se elles não
tornavam logo, e os fez voltar para a Aldeia”
Segundo João Peixoto, os paiaiás que o haviam
acudido, não queriam descer para as aldeias porque pensavam que os portugueses
queriam seus filhos e suas mulheres, mas com toda “braveza”, como descreve ele
no pedido, foi até atrás dos tais índios com seus filhos e arriscou a própria
vida no objetivo de garantir sua confiança. Sendo verdade ou não, seu pedido
foi atendido em 1675 e garantida a administração dos índios que estivessem
reduzidos em sua aldeia, reconhecendo-o como um “Administrador dos índios, da
Nação Payayá na Aldeia de que se trata; e ter a experiência mostrado por muitas
vezes quão importante é que tenham”.
A partir da chegada dos paulistas, as guerras
no Sertão da Bahia tomam novos rumos pelo continente adentro e novas querelas
passam a surgir nas povoações do Paraguaçu. Dentre elas podemos exemplificar os
conflitos entre paulistas e sertanistas baianos que, nesse momento, brigavam
pelos benefícios e regalias de capitães de tropa de conquista. É o caso da carta
enviada a Estevão Baião Parente pela Junta Governativa Provisória de 1677 a
pedido dos moradores do Recôncavo reclamando que suas táticas de guerra e
conquista não eram coerentes com as dos baianos,
“Quando
concedemos a Vossa Mercê a ordem de se reconduzir o gentio que lhe era
necessário para a jornada, e de (sic) mandamos com tanta largueza, foi suppondo
que não ousaria Vossa Mercê com as violências de que se nos vão repetindo
queixas. Sua Alteza não quer que seus moradores sejam vexados; nem ainda é
justo que os índios se tratem como escravos. Ao Capitão-mor Gaspar Roiz Adorno
havíamos encarregado por uma petição de todos os moradores daquella parte que a
firmaram pedindo-nos remédio aos grandes roubos e outras cousas que lhes faziam
os negros do matto, ajuntassem todos os índios que andavam espalhados daquella
Aldeia, para segurança dos moradores, e Vossa Mercê deu na Aldeia, e queimando-lhes
as casas, e o milho que tinham recolhido, e amarrou alguns índios, e fugidos os
mais quer passar o mulherio para a povoação (*) causa mui digna de se estranhar
a Vossa Mercê; pois não podiam os bárbaros fazer maior mal a aquella Aldeia,
nem aos moradores tirando a segurança dos negros fugidos. A povoação Vossa
Mercê não ha de fazer mudando os índios mansos das suas Aldeias em que estão
contentes para ella; nem o fim das nossas ordens é esse. Senão para trazer
gente que o ajude a ir conquistar os índios bravos que ha de trazer para a povoação,
e não para os vender (...).
Além de ser repreendido pela junta devido a
sua forma violenta de lidar com os índios, o capitão Estevão ainda é advertido
que, quando a guerra em questão fosse para repreender “Bárbaros”, o governo
facilmente mandaria reforços para fazê-lo, porém, acrescentava, “se a entrada é
só a descer gentio do Sertão” (...), em primeiro logar não traga Vossa Mercê um
só dos que são pertencentes a João Peixoto Viegas, e Domingos de Freitas, a cujas
Aldeias Vossa Mercê não irá, e restituirá logo todos os que tiver preso ou
levado á de Gaspar Rodrigues Adorno (...); porque pela menor sombra que nos
chegar de noticia semelhante mudaremos esta advertência na demonstração que
merecer”.
CONCLUSÃO
Os paiaiás eram um grupo muito grande e
acreditamos que tenham tido mais de um administrador. Como detalhamos, tratava-
se de um grupo arredio ao domínio português, o que levava muitos conquistadores
à tentativa de “amansa-los”. Devido as constantes guerras travadas com os
portugueses, além, evidentemente, das epidemias, responsáveis extinção de
muitos grupos étnicos na América portuguesa, possivelmente seu contigente
também foi reduzido de forma drástica. Com a chegada dos paulistas e das tropas
indígenas acompanhada por eles ficou cada vez mais difícil resistir. O que os
levou a se render aos aldeamentos e comporem as tropas de conquista que iam
para outros sertões.”
Mais informações
1. Payayás no Paraguassu e em Antonio Cardoso (antigo Jacuípe depois Umburanas) - clique aqui
2. Payayás na atualidade - clique aqui
3. Payayás na Bahia - clique aqui
4. Payayás na região do Paraguassu - clique aqui
** "O sesmeiro João Peixoto Viegas, mercador português proveniente da Vila de Viana chega à Bahia por volta de 1640. Era filho de Fernão Peixoto, de Viana, e Barbara Fernandes. Aqui chegando, casou-se com Dona Joana de Sá e foi possuidor de grandes extensões de terras, tendo sido o incorporador do Paraguaçu, em Itapororocas e Água Fria, desde 1652, área que corresponde ao sertão baiano, incluindo terras pertencentes à Feira de Santana. Adquiriu as terras d’ além Paraguaçu, localizada entre o rio Jacuípe e o Itapicuru. Na Bahia, Viegas compõe os quadros políticos, como administrador da Companhia Geral do Comércio, tesoureiro e escrivão de Bulas, além de ter em sua história o papel de denunciador da Inquisição. Em 1675, parte para devastar o sertão, apropriando-se das terras indígenas. O sesmeiro João Lobo de Mesquita exerceu na Bahia a função de vereador e juiz ordinário. Abre caminhos da Mata de São João, numa extensão de nove léguas, tendo por direito, cobrar uma res a cada curraleiro. Em 1653, vendeu a João Peixoto Viegas as terras de Jacuípe e Itapororocas." NACELICE BARBOSA FREITAS2
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