sábado, 11 de agosto de 2018

Índios Payayás: a Civilização Milenar do Recôncavo Baiano à Chapada Diamantina e suas Influências na Atualidade – Parte I

 Payayás atuais /Google
Existem relatos da presença do povo Payayá de Cachoeira, no recôncavo baiano, até a região da Chapada Diamantina e o rio São Francisco. No estado de Sergipe, município de Cristinápolis também tem uma comunidade e fazenda com o nome Payayá.

Mais detalhes: povo Payayá é o morador original do litoral baiano ao rio São Francisco

Alguns pesquisadores, talvez, mal fundamentados dizem que Payayá e Maracá são dois povos. Outros defendem que é um povo só. O antropólogo "OTT  (1958)  que  salienta,  em  sua  obra  Pré-História  da  Bahia,  que  os Payaya  eram,  na  verdade

"[...]  os  Maracá,  que 1586,  já são  mencionados.  [...]  Ocupavam  o  vale do  Paraguassu, a  serra  do  Sincorá,  [...]  ora  Paiaia,  ou  ainda  Maracanassu,  o  que  significa  a  grande nação  dos  Maracá.  Geralmente  os  índios  residentes  ao  sul  do  Paraguassu  eram denominados  Maracá,  sendo  os  que habitavam  ao  norte deste  rio  mais  comumente desginados  por  Payayá.  (OTT,  1958,  p.  19)"

(...) os  que devemos  buscar  conhecer são  os  indígenas  habitantes  históricos  do  lugar:  os  Payayá,  Que  MORAES  FILHO  (2002), salienta  que [...]  Sobre  os  Payayá  é  descrita  a  festa  de  Eraquidzã  ou  Varaquidrã  e  seus  pajés Visamus,  os  rituais  funerários  antropofágicos,  os  ornamentos  de  folhas  das  mulheres, o  costume  de  depilar  completamente  o  corpo,  inclusive  sobrancelhas  e  pestanas,  as plumas  de  muitas  cores (MORAES  FILHO,  2002)."

ERISVALDO  SANTOS SOUZA. MUSEU  VIRTUAL DA BATA  DO FEIJÃO: DA ROÇA PARA A ESCOLA. Uneb, 2017.

Nesta citação de OTT fica evidente que para ele Payayá e Maracá é um povo só. Se dividiram a partir da obra dele fizeram uma interpretação equivocada. Ele argumenta que, talvez, este povo recebe "pseudodenominações" apenas por causa da região que vive.


Existe muita confusão nas pesquisas sobre os povos nativos. Principalmente por não existir obras escritas pelos próprios povos nativos. Os brancos deram a interpretação conforme os próprios interesses. Tudo precisa ser analisado com cuidado e minúcia.

Para aprofundar sobre o povo Payayá: Clique aqui.

Se você for ou conhece parente do povo Payayá na região entre em contato conosco.

Roubaram, estupraram, escravizaram, mataram, ... e se esconderam atrás da bíblia como inocentes e bonzinhos.

Cofira detalhes dos ascendentes Payayá: clique aqui

O editor do site O Jacuípe, percebendo a rasura das explicações sobre a formação da população das bacias do Paraguassu, Jacuype e do recôncavo traz uma publicação em duas partes que tenta retomar as origens milenares do povo originário, os "índios" Payayás (entre aspa porque aqui não é o país Índia. Ainda Índio é um elemento químico). Os quais viviam e seus remanescentes ainda vivem entre o recôncavo, a Chapada Diamantina até o rio São Francisco (Veja as dicas de pesquisa no fim).

Livro "As Excelências do Governador"

O trecho "os Paiaiás das vilas de baixo", do livro AS EXCELÊNCIAS DO GOVERNADOR, refere ao atual município de Antonio Cardoso (ex - Jacuype, Santo Estevão, depois Umburanas) e outros da região pela proximidade de Cachoeira. As vilas de cima tratam até a Chapada Diamantina e o rio São Francisco.
Distrito de Santo Estevão-BA

Alertamos que dividimos os atuais remanescentes do povo Payayá milenar em dois grupos: os descendentes e os parentes distantes. Os descendentes pela proximidade aos ancestrais e os parentes distantes são todos aqueles que tem a mistura com brancos e pretos. 

O povo Payayá não sumiu continua misturado com outros povos. Por isso, para não deixar a história e o povo Payayá sumir é importante que os descendentes construam famílias entre si, assim como, os parentes misturados com outros povos também procriem. Desse modo, dando continuidade no relacionamento da herança genética em cada geração, as gerações futuras podem retomar os traços originais.     

Ao contrário do que muitos falam como se os "índios" aceitassem perder suas terras, a organização familiar, seus plantios e as áreas sagradas que enterravam seus parentes resistiram com bravura que quase foram eliminados totalmente. Os conflitos entre o povo Payayá e os invasores brancos e pretos não foram pacíficos mas com requinte de crueldade, marcados pela violência de diversas modalidades desde de estupros e mortes.  


A primeira matéria trata das guerras contra os invasores brancos e pretos e seus impactos na população do povo Payayá. O propósito não é se limitar às respostas prontas mas provocar a curiosidade, a necessidade de pesquisas e despertar a necessidade de preservação da diversidade biocultural da região.  

É necessário esclarecer que a palavra "índio" é uma invenção dos invasores europeus e quando usada para identificar os povos originários do continente americano, falsifica a realidade e expressa um sentido plural. Ou seja, a palavra "índio" significa várias etnias ou povos que possuem características físicas, históricas e socioculturais diferentes. Sendo assim, ao se pensar índio como um único povo é equivocado e distorce as características de cada povo indígena. 

Outro aspecto que chamamos atenção é que vários traços biofísicos, artísticos, linguísticos, alimentares, naturais do povo Payayá continuam presente na população que mora nos municípios localizados na região entre o recôncavo e a Chapada. Embora nosso foco seja a região de transição entre o recôncavo e o sertão Baiano como os municípios de Antonio Cardoso, Santo Estevão, Feira de Santana e outros vizinhos.  

A primeira parte da matéria se fundamenta na pesquisa de mestrado da historiadora Juliana Brainer Barros Neves, disponibilizada na internet, com o título "Colonização e Resistência no Paraguaçu - Bahia, 1530 - 1678". Agradeço a pesquisora pela gratidão e nobreza da obra mas também pela humildade de socializar seus conhecimentos para nossos parentes não perderem suas origens. Para ter acesso a obra clique aqui.


A segunda parte da matéria, que será publicada, veremos os fatos recentes sobre os remanescentes (descendentes e parentes) do povo Payayá em alguns municípios da região, com destaque para os municípios de Antonio Cardoso, Santo Estevão, Feira de Santana e outros próximos."

Segue na íntegra alguns trechos que selecionamos sobre o início das invasões do território Payayá e as Guerras entre Payayás e os invasores brancos e pretos por toda a região da bacia do Paraguassu.    

“COLONIZAÇÃO E RESISTÊNCIA NO PARAGUAÇU – BAHIA, 1530 – 1678

Juliana Brainer Barroso Neves


“Já no século XVI, os portugueses viram nas áreas próximas às margens do  Paraguaçu um local de povoamento promissor. Esta é uma das razões explicativas para este rio ser um dos primeiros a atrair o movimento de colonização e da ocupação e exploração de suas terras ter ocorrido logo nos primeiros anos da presença efetiva dos colonos na capitania da Bahia.

Paulo Adorno, italiano de Gênova, e Afonso Rodrigues, português de Óbidos, ao chegarem no, que futuramente se tornaria a capitania da Bahia, instalaram-se nas margens do rio Paraguaçu, e, ao longo do século XVII, uniram suas famílias, constituindo-as numa só. Os Rodrigues Adorno deram origem a uma geração de sertanistas que desbravaram os sertões desse rio que nasce no interior, atravessa o Recôncavo e deságua na Baía de Todos os Santos, isto é, rota privilegiada de acesso ao interior do continente.
[...]

O que caracteriza o caso da família Rodrigues Adorno, estruturada a partir de casamentos entre imigrantes europeus e povos indígenas. A família deixou herdeiros que acumularam terras através de atividades militares no Recôncavo e no sertão.
[...]

O rio Paraguaçu nasce na Serra do Sincorá, na Chapada Diamantina, e desemboca na baía de Todos os Santos, depois de um curso de 520 km. Atribui-se a Cristovão Jaques, o primero explorador da Baía de Todos os Santos, ainda na década de 1520, a identificação do Paraguaçu, nome atribuído pelos grupos tupi que viviam nas bordas da Baía de Todos os Santos.

Suas águas abrem caminho desde o sertão até o litoral, servindo de divisor das terras do Recôncavo e as dos sertões, que passaram a ser identificados como sertão de Baixo – as terras localizadas abaixo da margem direita do Paraguaçu – e o de Cima – ao norte do mesmo rio.
[...]

Apesar de o rio Paraguaçu ter longo curso, ele só era, e ainda é, navegável por um pequeno trecho não muito distante da costa. Explica-se tal característica pela presença de largos bancos ou coroas de areia em seu leito que dificultam a navegação quando a maré está baixa. Essa peculiaridade permite-nos compreender a ocupação tardia da área acima da atual cidade de Cachoeira e o fato de suas margens permanecerem cobertas por vegetação densa e habitadas por animais e tribos indígenas arredias até meados do século XVII. A conquista da área acima do trecho navegável, portanto, era considerada como prioritária para a penetração colonial dos sertões ao norte de Salvador, visto que, na segunda metade do século XVI, a colonização se dirigia para o norte em direção ao rio Real. 

Antônio Loreiro de Souza escreve que “Entre os que formavam a expedição de Martim Afonso de Sousa, estava um fidalgo de nome Paulo Dias Adôrno.”
[...]

Paulo Dias Adorno construiu sua história na Bahia e, unindo-se a Affonso Rodrigues, deu origem à história da família Rodrigues Adorno em Cachoeira. Segundo Antônio Loreiro, Adorno, que “era homem de posses”, pouco tempo depois de chegado na Bahia recebeu “terras no Recôncavo, onde fundaria uma fazenda e um engenho. Buscou exatamente, aquelas que ficavam à margem esquerda do Paraguaçu, onde poderiam, sem dificuldades de entrada e saída, aportar muitas embarcações”. Sua propriedade, próxima aos riachos Pitanga e Caquende, era privilegiada para a cultura da cana, e nela foi edificada uma capela com o nome de Nossa Senhora do Rosário que, mais tarde, passou a se chamar da Ajuda.
[...]

A divisão do território da capitania era feita pelas freguezias, sendo conhecidas através dos nomes de suas paróquias criadas após a instalação do governo geral. No século XVI, as paróquias existentes eram: Nossa Senhora da Vitória, instituída em 1549, a Sé de Salvador, 1552, a de São Jorge de Ilhéus, 1556 e a de Nossa Senhora da Assunção de Camamú,1560.   
[...]

As terras às margens do rio Paraguaçu foram doadas em 1557, sendo dividida em duas partes. A margem esquerda foi doada a Álvaro da Costa pelo seu pai, o Governador Duarte da Costa, e foi chamada de Capitania do Paraguaçu.

“... Ficava da parte da barra do dito rio de Peroaçu da parte do sul até a barra do rio Jaguaripe por costa; que podera ser quatro léguas de costa, pouco mais ou menos, ou aquella quantidade que houver deste limite e para o sertão pelos ditos rio acima de des legoas de terra e isto entrando dentro todas las Ilhas que tiverem ao longo da costa desta dada e a agoa de Igarassú que está pelo rio de Peroaçú, dentro da parte do sul para nelle fazer engenho”.

A margem direita “do cabo desta terra do conde [rio Seregipe] à bôca do rio Paraguaçu são três ou quatro léguas (...) Esta terra foi dada a Brás Fragoso de sesmaria e pelo rio de Paraguaçu acima quatro léguas; a qual se vendeu a Francisco de Araújo”. A capitania do Paraguaçu foi posteriormente dividida para ser arrendada a outros colonos. A partir da segunda metade do século XVI, as concessões de sesmarias se dirigiram para o norte e ocidente, em direção ao rio Real, usando-se como referência o Paraguaçu.


No ano de 1573, a família Adorno já vendia as terras que possuía nas proximidades de Salvador. Nesse ano, a viúva de Paulo Dias Adorno, Felipa Álvares, vendeu suas casas que tinham quintais “pegados com a cerca do Mosteiro de Jesus.” Dessa propriedade, Antônio Dias Adorno já havia vendido a sua parte ao dito Mosteiro e agora vendia as de sua mãe para o Colégio de Jesus, recebendo a quantia de seis mil réis. 

Gaspar Rodrigues, filho do português Afonso Rodrigues obteve, em 1574, uma doação do procurador de Dom Álvaro da Costa ao longo da costa e para o sertão, em frente ao Paraguaçu. Freire menciona que uma sesmaria também foi doada a Antônio Dias Adorno, filho de Paulo Dias Adorno, importante sertanista do século XVI. 

Uma das atividades mais desenvolvidas pela família Rodrigues Adorno foi a busca de metais e pedras preciosas. O rio São Francisco foi uma das áreas consideradas como das mais atrativas.
[...]

Ao chegar ao rio Jequitinhonha, “a parte dirigida por Dias Adorno, encaminhou-se para o norte a captivar índios”. O roteiro percorrido por Adorno tentava reproduzir o estabelecido por Martins Carvalho. Antônio Dias Adorno ficou conhecido por ter “descoberto” a Serra das Esmeraldas que, de acordo com roteiro descrito por ele, ficava na capitania do Espírito Santo, entre a de Porto Seguro e o rio Doce. A notícia sobre esse sucesso inspirou outras entradas, como a organizada pelo irmão de Gabriel Soares de Sousa, cujo roteiro foi passado para Gabriel devido a morte de seu irmão na empreitada. Como conseqüência do suposto sucesso na busca de minerais e por ter lutado ao lado de Mem de Sá na guerra aos índios do Paraguaçu, Dias Adorno adquiriu o título de Cavalheiro do Hábito de Santiago
[...]

Segundo Felisbelo Freire, em 1635 foi concedida a última sesmaria no Paraguaçu. O ponto limite de suas concessões ficava no encontro do rio de Contas com o rio Paraguaçu. Algumas capitanias particulares no Recôncavo acabaram por se desagregar através de venda, transferência ou alienação e não chegaram a contribuir de forma decisiva para a colonização, embora tenham permanecido como tal, de forma oficial até o século XVIII.




Os Rodrigues e os Adornos, localizados em torno do povoado da Cachoeira, também se beneficiaram com essa política de concessão de sesmarias recebidas como recompensa pelos bons serviços prestados à Coroa, particularmente no combate a revoltas indígenas, como a dos Tamoios e do Espírito Santo, e aos invasores europeus. Habilitaram-se, portanto, por participarem do empreendimento da conquista dos sertões, da defesa das terras coloniais. Muitas dessas sesmarias, na verdade, apenas regularizavam a posse que já possuíam e logo trataram de ocupar e explorar, como exigia a legislação vigente, e ampliá-las em direção aos sertões do Paraguaçu e do Recôncavo. 

O objetivo de comercializar açúcar e outros bens da terra nos territórios ocupados pelos Adorno foi sendo alcançado através dos seus descendentes e da sua união com os Rodrigues. Porém, identificamos que esta não foi a única, nem a principal forma de atividade economica praticada por eles. Contribuíram para o crescimento econômico da colônia tornando se importantes exploradores do sertão, além de administradores de aldeias indígenas. Essa era a forma garantida de poderem explorar o que já possuíam e ampliar suas terras.

Os aldeamentos eram povoações pré-existentes de índios ou criadas para acomodar grupos “convencidos” a descer dos sertões para áreas mais próximas às regiões colonizadas. Podiam ser administrados por missionários jesuítas, por autoridades leigas nomeadas pelo rei ou por particulares. Apesar da criação de aldeamentos estar prevista no Regimento Tomé de Souza, essa política só se efetivou no governo de Mem de Sá. O objetivo de organizar os grupos indígenas à maneira dos conquistadores e, no caso dos aldeamentos jesuítas, era o de transmitir a fé cristã para os silvícolas, transformá-los em súditos engajados no projeto colonial e capacitá-los como produtores agrícolas. Todos os aldeados poderiam ser arrendados a outros colonos para trabalharem em suas fazendas por um tempo determinado e recebiam uma parte do pagamento em espécie.


Cristianismo era a arma usada para escravizar e roubar as terras dos índios. A bíblia escondeu monstros como bonzinhos.

Os aldeamentos jesuítas foram iniciados no litoral e só conseguiram atingir o vale do rio São Francisco depois da segunda metade do século XVII, ultrapassando as terras que foram doadas a particulares e que tomavam o território que ia do rio Jacuípe até o rio Real.

Grande parte dos aldeamentos formados nesses lugares podem ter sido administrados pelos próprios sesmeiros que habitavam a região e praticavam atividades militares para defenderem suas terras dos indígenas inimigos. Esses colonos, por terem lutado em defesa do território, recebiam as nomeações reais para se tornarem chefes das aldeias que haviam combatido ou convecido a descerem para o Recôncavo. Daí surgirem às querelas entre jesuítas e colonos sobre o trato que deveriam dar aos “gentis”.
[...]

O sucesso das famílias Rodrigues e Adorno estava diretamente ligado às relações que estabeleciam com os grupos indígenas. Muitos dos índios que capturavam, excetuando-se aqueles destinados ao pagamento do imposto ao governador e aos financiadores do empreendimento e os que eram comercializados com outros interessados, eram incorporados a suas aldeias, de onde eram levados para prestarem serviço em suas fazendas ou serem alugados a outros colonos. Também compunham parte do exército que eles utilizavam nas guerras ofensivas ou defensivas de suas propriedades, de rotas de comércio, de vilas e povoados e da colônia, no caso de ataques de franceses e holandeses, e também nas guerras de conquista de novas parcelas dos sertões.
[...]

Os outros dois filhos de Afonso Rodrigues, Álvaro Rodrigues, que ficou conhecido por Caramuru como seu avô, e Rodrigo Martins, “capitão”, foram chefes de guerra do sertão entre o fim do século XVI e início do século XVII.
[...]

Considerando-se essa informação, constata-se que o recrutamento de membros das duas famílias assegurava a presença de uma tropa indígena para combater grupos autóctones em outras partes da colônia sempre que fossem solicitados. Essa atividade garantia-lhes prestígio e acesso a recompensas, como dinheiro, terras e ecravos, fortalecendo-os e abrindo-lhes novas perspectivas de ascensão social.

A união das famílias Rodrigues e Adorno acontece quando Caramuru, o novo, Álvaro Rodrigues, casou com a filha de Catarina Dias Adorno e Francisco Rodrigues que, segundo Barata e Cunha, chamava-se Margarida Adorno. Então, do casamento entre Caramuru, o novo, e a bisneta de Caramuru, o velho, nasceram Afonso Rodrigues Adorno (1590-1665), João Rodrigues Adorno e Maria Adorno. Essa estratégia permitiu que ampliassem o montante de seus bens e sua participação no processo de conquista.

É necessário da maior atenção ao primogênito, Afonso Rodrigues Adorno. O mesmo foi para a Índia, por volta de 1604 ou 5 e, de volta à Bahia “foi eleito capitão dos indios das aldêas das partes da Caxoeira, e seu administrador, por provizão do governador Diogo Botelho de 9 de Dezembro de 1607. Foi moço da camara”. Este posto só foi criado por lei em 1611, sendo provido pelo governador-geral para pessoas abastadas da colônia que não possuíssem origem cristã-nova.

Foi a partir de Afonso Rodrigues Adorno que, no século XVII, a família passou a praticar novas guerras nos sertões do Paraguaçu. Logo na primeira metade desse século, as colônias portuguesas estavam sendo prejudicadas devido às guerras travadas no Atlântico contra os flamengos. O domínio de Angola dificultou o tráfico de escravos para a América, o que aumentou o valor dos africanos. Dessa forma, a necessidade de trabalhadores indígenas se tornou maior. Ante a investida dos colonos para aprisioná-los, vieram às revoltas e logo Afonso Rodrigues Adorno foi enviado ao sertão para “conter” os grupos indígenas que vinham “praticando hostilidades” contra os moradores do Recôncavo. O resultado dessa expedição foi a captura de vários indígenas, como cita o “registro dos índios que Afonso Rodrigues Adorno trouxe do sertão”.

Dos índios capturados “se deram ao Governador Geral Diogo Luis de Oliveira do quinto conforme a Provisão de Sua Magestade vinte e quatro pessoas entre fêmeas, e machos”. Os prisioneiros foram entregues também aos que lutaram na guerra contra os inimigos silvícolas, 

E assim mais se foram entregando aos Soldados, que foram na dita jornada as
peças, que á cada um delles coube para os terem de administração na forma dos mais assentos atrás, e cada um vae nomeado por seu nome, e os índios, que levam na forma seguinte: a saber Francisco da Costa morador no Maragogipe recebeu Izabel velha, e uma menina sua filha.

A maioria dos componentes da tropa que foi ao sertão com Afonso Rodrigues Adorno era composta por moradores da região do Paraguaçu interessados em combater os grupos da região onde viviam para obter os benefícios devidos e poderem ampliar as áreas sob seu domínio.  

Afonso Rodrigues lutou também na guerra contra os holandeses, o “capitão dos indios das aldêas das partes da Caxoeira”, foi o principal representante dessa família na defesa do território baiano. Falecendo, “diz assim o assento do seu obito: Em 7 de Abril de 1665”. Dos quatro filhos que teve com sua mulher, Maria Dias da Souza - Afonso Rodrigues Adorno, filho João Rodrigues Adorno “o velho, filho segundo”, Gaspar Rodrigues Adorno e Agostinho Pereira, sendo que estes últimos também se destacaram por terem feito parte das tropas de conquista do sertão, a partir de 1651. 

Afonso Rodrigues Adorno, o filho, “foi eleito capitão da gente branca e indios das
trez aldêas nas partes da Caxoeira por patente do Conde da Torre D. Fernando Mascarenhas, governador da Bahia, de 25 de Julho de 1639, e falleceu no mesmo anno n’esta guerra”

Gaspar Rodrigues Adorno recebeu patente de capitão-mor (1624-1678) em 1651 e ocupou várias posições na administração e no combate aos nativos. Foi grande proprietário em Cachoeira, com autoridade que ia de Boipeba ao Itapicuru e Orobó63. Com a morte do seu irmão, Afonso Rodrigues, o filho, foi mandado, por uma patente do Governador D. Fernando de Mascarenhas de 15 de Maio de 1640, para castigar os índios. No ano de 1642, recebeu outra patente passada pelo Governador Antonio Telles pela qual: “foi nomeado capitão de infantaria paga de toda gente, que ajuntasse no recôncavo da Caxoeira para soccorro do mestre de campo Francisco Rabello”. Lutou da década de 1650 a 1670 contra os paiaiás no sertão do Paraguaçu, enfrentando a resistência empreendida pelos índios contra a dominação.

Gaspar Rodrigues Adorno casou com Felippa Álvares, teve três filhos, Maria Adorno, esposa de Manoel de Aragão, João Rodrigues Adorno, que se tornou capitão de ordenança de Cachoeira em 1673 e substituiu seu pai na guerra contra os grupos indígenas do sertão, e Álvaro, que não tem seu sobrenome revelado.

Agostinho Pereira “foi alferes reformado, como se diz na ordem do governador João Rodrigues de Vasconcellos, para que fosse mandado por seu irmão Gaspar Rodrigues com 30 soldados para a guerra do mesmo gentio, por patente do dito seu irmão de 6 de Setembro de 1651.” Nessa mesma entrada, Agostinho Pereira é citado como o que susbstituiria Gaspar Rodrigues Adorno caso ele viesse a falecer durante a jornada. Fato que só ocorreu em 1673. No entanto, o substituto de Gaspar foi seu próprio filho.

Em 1672 encontramos um pedido de Agostinho Pereira de uma sesmaria no Paraguaçu, pois dizia que “tem Servido a Sua Alteza muitos annos com sua pessoa e fazendas nas jornadas do Certão em todas as que se ofecerão que hé bem notorio sem até agora ter recebido satisfação alguma”. Seu pedido foi atendido em 1673, sendo lhe exigido que para alcançar esse benefício, deveria levar seu gado e povoar aquele território.

A análise da trajetória dessa família permite-nos compreender seu grau de envolvimento e dependência para com os grupos indígenas que combateram e aldearam. Como vimos, os Rodrigues Adorno praticaram, desde a sua chegada à América portuguesa, o trabalho de capturar e “descer” índios do sertão e administrar aldeias indígenas, mas também construíram alianças e estabeleceram negociações prolongadas e nem sempre respeitadas
[...]

Porém, os conflitos entre portugueses e índios não foram rápidos e nem uniformes, particularmente no período que ficou conhecido como a Guerra dos Bárbaros, quando, ante a resistência de muitos povos indígenas, a resposta do governo e dos colonos foi a escravização massiva e a dizimação dos grupos mais aguerridos.

Os conflitos entre portugueses e índios não foram rápidos e nem uniformes, particularmente no período que ficou conhecido como a Guerra dos Bárbaros, quando, ante a resistência de muitos povos indígenas, a resposta do governo e dos colonos foi a escravização massiva e a dizimação dos grupos mais aguerridos.

CONQUISTA DO SERTÃO DO VALE DO RIO PARAGUAÇU, 1651 - 1677

Analisar a história de colonização do vale do rio Paraguaçu nos obriga a lançar um olhar sobre os conflitos ocorridos neste território, visto que seu povoamento só foi possível quando as questões com os índios, habitantes do vale, foram controladas. Dos grupos de autóctones que habitavam o vale do Paraguaçu e participaram da resitência de conquista ao sertão, destacamos os paiaiás, grupo indígena que entrou em choque com os sertanistas da família Rodrigues Adorno durante a segunda metade do século XVII – período se abertura dos sertões das capitanias do Norte.

Dessa forma, procuramos identificar as formas de resistência utilizadas pelos paiaiás contra os conquistadores europeus, no intuito de reconhecer que a colonização do interior do sertão baiano só foi possível através da contenção desses índios, tornando-se incompleta uma análise que não leve em consideração a sua participação, ainda que resistente, na ocupação do interior colonial. 

Dentre os conquistadores mais conhecidos encontramos Gaspar Rodrigues Adorno e seu irmão, Agostinho Pereira, representantes da família Rodrigues Adorno, pioneiros exploradores e moradores da região. Os paulistas, Brás Rodrigues Arzão e Estevão Ribeiro Baião Parente também se fizeram presentes a partir do momento em que o governo, impaciente com a resistência dos índios, acreditavam que os sertanistas baianos já não poderiam, sozinhos, dar conta da guerra. 

Muito praticado, o estudo dos índios na América portuguesa tem sido abordado de maneira mais particular. Nos trabalhos mais recentes é possível encontrar uma história indígena que reconhece esses povos como agentes do seu próprio destino histórico. A história da exploração dos grupos autóctones da colônia portuguesa adotou a perspectiva indígena. Desde então, formas de resistência por eles elaborada para se manterem longe do domínio colonial são temáticas reconhecidas e valorizadas, levando a uma reformulação da visão etnocêntrica sobre esses povos.

A diversidade de atitudes adotadas ante uma nova vivência plurisocial e multicultural também é objeto de análise. Enquanto alguns grupos optaram pela estratégia das alianças e reelaboração do seu universo sócio-cultural para se adaptarem aos “novos tempos”, outros preferiram o enfrentamento e a recusa ao convívio através das fugas. Dados atuais comprovam que houve maior índice de sobrevivência entre aqueles que optaram por reelaborar suas identidades e sociedades e que hoje pleiteiam seu reconhecimento como povos autóctones. A maioria daqueles que optaram pelo enfrentamento, terminaram por ser extintos. Para Manuela Carneiro da Cunha, esses grupos “talvez escolheram mal. Mas fica salva a dignidade de terem moldado a própria história.”  

A resistência indígena foi exercida de várias maneiras. Tanto pelos índios aldeados que viviam nas áreas colonizadas, como por aqueles que habitavam o interior do continente livremente, mas que viam o seu território cada vez mais limitado por conta das ocupações européias. Tanto um como outro tiveram papel significativo na história colonial, sendo o segundo caso o que mais se aproxima do grupo aqui estudado.

Das guerras feitas aos índios habitantes do Paraguaçu a mais duradoura foi iniciada na segunda metade do século XVII e, diferentemente das outras, não tinha como objetivo principal aldear ou escravizar, mas, acima de tudo, o de destruir os grupos que habitavam o local onde os portugueses pretendiam expandir sua colonização. [...]  o referido rio ainda era considerado como a boca do sertão da Bahia, o que transformava as entradas em verdadeiras tentativas de destruição das barreiras que impediam a passagem para o interior do continente. As guerras contra os índios “bárbaros” habitantes do sertão a ser povoado, ficou conhecida como “Guerra dos Bárbaros”, particularmente as guerras ocorridas no Recôncavo foram chamadas de “Guerra do Recôncavo”.

QUESTÃO INDÍGENA

Como afirma Perrone-Moisés, a política indigenista aplicada aos habitantes da colônia portuguesa foi qualificada, desde o trabalho pioneiro de João Francisco Lisboa em 1852, contraditória, oscilante e hipócrita. Essa contradição de interesses tentava ser contornada pela Coroa, através de leis reguladoras, mas, na verdade, a legislação não foi a grande orientadora das relações entre índios e colonos. As transformações e a rápida dinâmica da sociedade colonial em fase de implantação eram determinantes do ordenamento social, e esse caráter também se refletia na legislação portuguesa sobre o assunto, fazendo com que fosse considerada, posteriormente, pelos analistas como contraditória, oscilante, hipócrita, ineficaz ou negativa aos interesses indígenas.

Na verdade, a legislação da Coroa oscilava dentro de parâmetros lógicos e coerentes, a partir dos eixos de raciocínio metropolitano. É importante ressaltar que houve leis de caráter geral e outras de cunho específico e até localizadas espacialmente, fazendo com que a articulação entre as várias leis só possa ser percebida ao se destacar o alcance e o objetivo de cada uma delas. O outro eixo de raciocínio, que precisa ser articulado ao anterior para que se torne compreensível e permita identificar sua lógica, é a caracterização atribuída aos grupos indígenas com os quais os colonos entravam em contato e o tipo de relação que estabeleciam.

Durante o período colonial as leis, em determinados momentos, assumiam os interesses dos jesuítas, que viam na criação de aldeamentos onde missionavam a única possibilidade de salvar e cristianizar os “selvagens’” que não conheciam o caminho cristão. Noutros instantes, favoreciam os interesses dos colonizadores, que acreditavam ser essencial a escravização dos silvícolas para o sucesso de seus empreendimentos pessoais.

Ante os questionamentos sobre a humanidade dos indígenas e sua capacidade de apreender e as constantes revoltas e fugas, a Coroa Portuguesa optou pela criação de uma legislação dualista. Tendo consciência da necessidade de formar aliados e defensores do empreendimento colonial, a Coroa Portuguesa estabeleceu a tutoria dos índios definidos como “mansos” aos missionários jesuítas. A estes entregou a tarefa de aldea-los, converte-los e inseri-los no projeto de produção de mercadorias e de alimentos da Coroa e da Companhia de Jesus. Já os considerados “bravios e irredutíveis” eram liberados aos colonos para criarem seus aldeamentos particulares e escravizá-los.

Assim, diante das leis estabelecidas pela Coroa e aplicada pelos jesuítas, aos índios aldeados e aliados foi garantida a liberdade ao longo de toda colonização. Porém, o destino dos índios inimigos – leia-se os que resistiam aos mecanismos de dominação - era a escravidão. As capturas dos índios por particulares causaram conflitos perenes entre eles e os colonos. Para contornar o problema, e o Governo Metropolitano criou mecanismos legais de regulação de acesso aos escravos indígenas, como a decretação de guerra justa pelo Rei e, depois por autoridades civis e religiosas por ele designados, e o direito de manter o resgatado ou “índio de corda” em seu poder. A guerra justa era travada contra aqueles que resistiam à catequese, hostilizavam – leia-se reagiam à invasão de suas terras, ao aprisionamento e a tentativa de convecimento de descerem para os aldealmentos - súditos da Coroa portuguesa e quebravam pactos celebrados. O resgate consistia na troca de mercadorias por índios prisioneiros de outros índios.

Os aldeamentos eram sítios de moradia de indivíduos de uma ou mais tribos, deslocados, misturados, assentados e administrados por autoridade do governo metropolitano, missionários ou particulares. Conforme regia a lei, os índios aldeados só poderiam ser contratados por particulares através do pagamento de um salário. Apesar de ter sido instituída desde 1548, a criação dos aldeamentos só ganhou maior impulso com a presença do terceiro governador geral, Mem de Sá (1557-1572), destacando-se dentre as muitas guerras por ele movidas, a do Paraguaçu.


Em pouco tempo os índios foram sistematizados em duas categorias gerais, sendo uma antítese da outra, tupi e tapuia. Vários autores quinhentistas adotaram essa categorização criada pelos tupi para se diferenciarem dos seus inimigos. Soares de Sousa inicia seu relato no Tratado descritivo do Brasil sobre os índios explicando como era caracterizada essa divisão. Os tupis eram vistos como aliados, àqueles que aceitavam aldear-se sob o domínio português em vários pontos da colônia. Já os tapuias, eram descritos como moradores dos sertões, inimigos e nômades, sendo-lhes atribuída a denominação de “bárbaros”.

Vinda da Grécia, a palavra “bárbaro” era utilizada para classificar os inimigos. Na Idade Média foi aplicada aos não cristãos, característica que continuou a fazer parte do conceito durante o período colonial na América. Além deste termo – já existente na Europa e trazido pelos colonizadores – ter sido associado aos índios e passou a ser usado pelos europeus e a ser representado por vários artistas em seus quadros.

Porém, essas descrições e imagens eram reproduzidas, na sua maioria, por autores que nunca habitaram as colônias ou viram tais habitantes. Assim, como outros conceitos trazidos pelos europeus ao Novo Mundo, o conceito “bárbaro”, estabeleceu um imaginário, que criado na metrópole, acabou sendo aplicado na colônia e determinou como esses habitantes foram integrados ao Novo Mundo que se formava na América. Isto é, o argumento de que tais grupos indígenas pertenciam ao grupo Tapuia, foi amplamente utilizado para justificar as formas a
conversão, escravização e as guerras justas feitas aos índios.

Os missionários desenvolveram sua ação redutora a partir das idéias eurocentritas e da política de expansão. Para eles, educar os índios “bárbaros” fazia parte da missão de lhes conceder a humanidade através da graça divina. Fazer dos tapuias cristãos era uma das maneiras de se tratar com a bárbarie, porém, caso a religião não fosse aceita, era - lhes reservado o fogo e a espada.

A forma de viver dos habitantes dos sertões era uma das maneiras que os missionários encontravam para caracterizar certos grupos como bárbaros. Cartas do século XVI escritas por Juan de Azpilcueta Navarro aos padres irmãos de Coimbra, relatam o testemunho da idéia que os missionários tinham dos Tapuias:

Tapuzas que es un género de indios bestial y fiero, porque andan por los bosques como manadas de venados, desnudos, con cabellos muy largos como de mugeres. Su habla es muy bárbara, y ellos muy carniceros. (...) comumente no tienen superior, lo qual es causa de todos os males. Tienen tal ley entre si que recibiendo el menor dellos una unjuria de los cristianos, se juntam todos a vengarla. Son pobrísimos, ni tienen cosa propria ni particular, antes comen en común lo que cada dia pescan e caçan.
 
Afirmava Soares de Sousa que esses “bárbaros” viviam soltos pelo sertão, “são tantos e estão divididos em bandos, costumes e linguagem, para se poder dizer deles muito”. Aos poucos os portugueses foram estabelecendo nomes para cada grupo, apesar dessas nomeações provavelmente não serem fiéis às divisões indígenas. Era, porém, uma forma de identificá-los. E através de tais nomenclaturas foi possível classificar e fazer análises sobre grupos localizados no interior do continente.

O nome de um grupo teve destaque na documentação que relata as guerras de conquista do sertão do Paraguaçu: os paiaiás, Havia inúmeras comunidades indígenas nessa área, alguns tupis - tupinambás que viviam próximo ao litoral e os tupinaês que ali buscaram refúgio depois de terem sido expulsos pelos tupinambás das bordas da Baía de Todos os Santos – e os subgrupos kiriris :  - sapuyás, payayás e os maracás (provavelmente um subgrupo payayá que vivia ao sul do Paraguaçu) -  que se localizavam mais para dentro do continente. Apesar de permanecerem localizados no interior do continente no século XVI, esses grupos costumavam se deslocar para o litoral no verão, onde realizavam seus rituais. 

A presença portuguesa a partir da segunda metade do século XVI, a criação de engenhos, roças e lugarejos, aldeamentos jesuíticos e particulares, além do uso de índios aldeados para evitar deslocamentos de grupos inimigos do sertão, impediu a circulação desses grupos em direção ao litoral. Além desses empecilhos para chegar até a costa, os paiaiás passaram a enfrentar também os colonos que iam ao sertão em busca de minérios e de áreas para a pecuária e agricultura e aprisionavam índios adentrando seu território. 

No entanto, a referência maior aos conflitos com esse grupo do sertão é encontrada a partir da segunda metade do século XVII quando se inicia a conquista do sertão. Guerras que também foram um reflexo das querelas no continente europeu irradiando suas consequências sobre a colonização portuguesa na América.

GUERRAS DO RECÔNCAVO

O conflito luso-holandês ameaçava às conquistas lusitanas na África e na América. Alencastro divide esse momento de conflito com os Países Baixos em cinco fases. A guerra de corso no Atlântico (1621-30), depois a resistência ao ocupante (1630-37), a colaboração com o ocupante (1637-45), a restauração da soberania portuguesa (1645-54) e o ataque lusitano e brasílico em Angola (1648-65). Nosso interesse sobre a questão holandesa na colônia portuguesa se limita a entender como o domínio da West-Indische Compagnie (WIC), sobre o tráfico atlântico atuou sobre as formas de trabalho existente na colônia no início do XVII.

A Guerra do Corso iniciada em 1621 é substituída, após a fundação da WIC, pela invasão à Capitania Real da Bahia, sede do Governo Português na América, e ataques a outras capitanias na América e na África. No mar, os tumbeiros eram saqueados pelos holandeses. Devido às dificuldades de circulação pelo Atlântico o tráfico escravo africano sofre uma baixa no início e na segunda metade do século XVII, particularmente após a conquista de Angola na costa da África.

Esses problemas intensificam o apresamento de índios na América Portuguesa no início do século XVII. As autoridades baianas enviam tropas ao sertão no intuito de capturar tapuias no Paraguaçu. Afonso Rodrigues Adorno86, bisneto de Caramuru e descendente de caçadores de índios, é enviado junto com as tropas e em 1628 volta com “muitas peças” do sertão. Apesar de mão-de-obra indígena ser essencial para a manutenção do sistema produtivo colonial, os mecanismos de regulação da escravidão indígena persistiram. E, para isso, os governadores utilizavam, cada vez mais, argumentos enganosos para obter a mão-de-obra necessária.

“Perigo em que estava esta Capitania da Bahia com os incursos, e entradas que fazião os Indios levantados chamados da Santid(ad)e, os quaes por vezes derão nas fazendas e corraes dos moradores com mão armada, assim no Paraguassú, no Aporá, e Maragogipe como em Jaguaripe, chegando as cazas dos moradores, e matarão homens brancos, e negros e ferirão outros, e matarão muito Gado Vacum, e hora ultimam(en)te deo em Jaguaripe onde matarão homens brancos, e negros, e frecharão outros, e mais matarão se não fugirão os brancos e destruirão o engenho de Nicolao Soares, roubando-o de m(ui)ta ferramenta, e fabrica, e levando lhe huá india, e gado, e outras couzas com que ficarão os moradores receozos de viverem a lî, e tratado de despovoar as Fazendas, e suas moradas antigas havendo grande parte dos ditos Indios q(ue) andão hoje actualm(en)te nos matos dos d(it)os Limites e por ser materia de tanto damno e prejuizo desta Terra e quietação della”.

Nesse documento vemos que a jornada que Alencastro cita como tentativa de captura de índios no sertão foi viabilizada por um dos métodos tradicionais: a criação de argumentos para a decretação de guerra justa. No caso, a hostilidade aos súditos de Portugal e prática de rituais pagãos. Apesar de Afonso Rodrigues Adorno obter êxito na sua investida, não encontramos nenhuma outra referência de jornadas ao sertão com pedido de guerra justa no início do século XVII para captura de índios no Paraguaçu. Principalmente porque os membros dessa família estavam ausentes, protegendo território dos inimigos holandeses ou combatendo em Pernambuco.  

Foi na segunda metade do século XVII que se reiniciaram as guerras no sertão do vale do Paraguaçu. Com a expulsão dos holandeses de Pernambuco e das capitanias anexas, algumas dificuldades econômicas passaram a surgir na colônia. Em meados do século XVII dá se início a abertura do sertão das capitanias do Norte. O embate entre os conquistadores e grupos indígenas habitantes da região tornou-se, então inevitável.

CONQUISTA DO SERTÃO DO PARAGUAÇU

A expansão para o sertão tornou-se um passo necessário até para atividades econômicas empreendidas no litoral. O principal fator que levou os colonos a valorizarem mais as atividades internas foi à dificuldade que encontraram de vender seu produto de exportação mais significante: o açúcar. O crescimento da produção antilhana provocou uma crise sofrida pelos senhores de engenho. A restrição de mercado para o açúcar devido à concorrência das Antilhas foi agravada pelas taxas que lhe foram impostas para pagar o acordo estabelecido com a WIC, visando garantir sua retirada, evitar nova invasão e sustentar tropas portuguesas em Pernambuco e Bahia. A consequente inflação dos preços dos escravos, dado a sua crescente procura na África, também agravou a situação dos senhores de engenho na colônia portuguesa.

Logo, a abertura do sertão se tornou, para os governantes e os colonos, uma solução para as questões e dificuldades pessoais e governamentais na segunda metade do século XVII. A partir de então a Coroa ampliou os estímulos visando promover à sua abertura, reconhecendo que as novas atividades estabelecidas neste território poderiam repor as perdas financeiras decorrentes das dificuldades peculiares do trato colonial naquele momento.

Puntoni acredita que na historiografia tem se relegado um papel secundário à pecuária, atribuindo à mineração a sustentação e ocupação do sertão. O povoamento do interior foi obra desses dois movimentos, porém, foram realizados em períodos e de formas diferentes. De um lado estava a mineração que provocou um deslocamento populacional rápido e intenso em fins do século XVII, e de outro estava a pecuária que, ao contrário da mineração, se expandia de forma gradual e mais lentamente desde o século XVI.

A criação de gado era uma atividade já praticada na colônia desde o estabelecimento das vilas, sendo uma atividade econômica acessória ao complexo açucareiro, por fornecer a tração animal para o maquinário, especialmente para a moenda e para o transporte das mercadorias. O boi também era usado como alimento e o seu couro servia de embalagem aos rolos de tabaco ou era exportado como matéria-prima para Portugal.

Porém, um dos problemas enfrentados pelos criadores era a necessidade de espaço físico para expandir suas atividades, o que ocorreu nas zonas de fronteira entre o sertão e os canaviais. Os conflitos entre os prepostos dos grandes pecuaristas, índios e pequenos proprietários se agravaram, pois algumas roças e plantações eram estragadas pelos animais criados em pastos abertos.

Convém destacar que a pecuária extensiva não exigia grandes investimentos, mas sim, espaço, o que permitia a participação de vários segmentos sociais. Como cita Puntoni, “levantada uma casa coberta pela maior parte de palha, feitos uns currais introduzidos os gados, estão povoados três léguas de terra e estabelecida uma fazenda.” Ante o acirramento das relações entre agricultores e criadores de gado, em 1701 a Coroa Portuguesa estabeleceu uma lei que proibia a criação de gado a menos de 10 léguas da costa. No caso das Capitanias do Norte, uma das principais rotas de expansão do gado que partia da Bahia, usava como eixos centrais de deslocamento os Vales dos rios São Francisco e Itapicuru. 

O incentivo à expansão da pecuária proporcionava outros benefícios a Coroa. A abertura de caminhos dentro da colônia permitia que o controle régio fosse ampliado até o Maranhão, conectando-o ao resto da colônia por terra. Afinal, o transporte marítimo que fazia a ligação do Brasil com o Grão Pará era praticamente impossível devido ao regime dos ventos dominantes acima da Paraíba, os quais inviabilizavam as navegações para o norte do Hemisfério Sul. A ocupação francesa daquela região por vários anos deixara claro para a Coroa Portuguesa a possibilidade de vir a perder essa parcela da América Portuguesa e o usufruto das “drogas do sertão”.

Para compreendermos como a expansão desse projeto atingiu a Capitania do Paraguaçu, convém lembrar que o rio era o caminho de acesso aos rios Jacuípe e São Francisco. Além disso, o vale foi definido como divisor dos Sertões de Baixo e de Cima. Entende-se, assim, porque as cartas de doações de sesmarias nessa zona determinavam a introdução de gado nas terras concedidas, objetivando estimular a abertura de novos espaços ainda não explorados.

Na carta de criação da freguesia de Cachoeira, então denominada de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, originada a partir da criação de engenhos e fazendas de Paulo Dias Adorno, está registrado que “saem da Vila de Cachoeira diferentes estradas, o que concorre muito pra fazê-la famosa, pois que tôdas as minas e sertões se vêm dar àquele pôrto” e continua, “sai outra (para o norte) que, passando pela Vila de Água Fria, passa para as Minas de Jacobina, corta parte do Piauí e conduz até o Maranhão”.

A acentuação do movimento de expansão para o ocidente do continente tornou os conflitos entre autóctones e conquistadores, antes limitados, cada vez mais frequentes. Não poderia ser de outra forma, considerando-se que a condição para a conquista desse território estava em controlar os grupos ainda resistentes às condições de dominação impostas pelos europeus.

A guerra do Recôncavo perdurou entre 1651 e 1679. Começam pelo Paraguaçu, que era a porta de entrada dos sertões da Bahia, tornando-se Cachoeira base para todas as entradas empreendidas nesta área. Apesar de considerarem seu fim em 1679, as guerras nos Sertões de Cima e de Baixo, continuaram, após esta data, abrindo caminhos pelo interior do continente baiano.

As “jornadas do sertão”, também chamadas “entradas” ou “bandeiras”, eram o movimento de tropas patrocinadas pela autoridade competente para ir ao sertão no objetivo de descer, escravizar e eliminar grupos indígenas. No caso das entradas destinadas à punição de grupos indígenas ou à captura de escravos, era garantida a legalidade pelos termos da lei de 24 de fevereiro de 1587. Os “tapuias” eram os mais visados por essas expedições. Habitantes do sertão, na sua maioria ainda não haviam sido dominados pelos europeus, ao contrário da maioria dos grupos tupi, considerados índios aliados e que tiveram seu contingente populacional drasticamente reduzido com as epidemias e as condições de vida que lhes eram impostas nos aldeamentos.

 Ao longo do século XVII, a seleção para o capitão-mor, responsável pelas jornadas, era antecedida por um “concurso” e depois por uma consulta do Conselho Ultramarino, quando não era feito pelo governador da capitania principal. Abria-se prazo para lançamento de candidaturas na qual se indicava o mais votado pelo Conselho através de fundamentações que relatavam os feitos militares de cada candidato em prol do crescimento da colônia. Em meados do século XVII a maioria das candidaturas foi aceita, o que nos leva a crer que a alta demanda por capitães para as guerras de conquista do sertão causou tal fato.

Na tentativa de compreender os novos padrões estabelecidos entre Império e as nações indígenas, Puntoni, afirma que a liberdade de alguns grupos indígenas foi preservada pela ação da Coroa e dos missionários e pela própria decisão dos indígenas em se aldearem ou construírem alianças. Tal circunstância contribuiu para a difusão do trabalho escravo africano entre o século XVI e XVII. Política que os beneficiou – entenda-se, livrou os ditos “mansos” de uma forma de escravização direta - por um tempo e depois se inverteu. Segundo Alencastro, o fluxo regular do tráfico negreiro acabou por diminuir a importância dos índios dentro do sistema escravista, transformando-os em empecilhos para o desenvolvimento de novas atividades econômicas no sertão. A ação sucessiva de guerras justas na segunda metade do século XVII tinha como objetivo central destruir ou dominar as aldeias indígenas do sertão, abrindo caminho para uma nova forma de colonização no território conquistado. Nunca haviam se mobilizados tantos esforços para fazer frente aos resistentes ocupantes do vasto território no continente: “abria-se a via à sua exterminação”.

A esse projeto de ordem coletiva e metropolitana, há de se acrescentar, para a plana compreensão do empreendimento, que havia também um objetivo de caráter individual entre os conquistadores: a conquista dos incentivos oferecidos pela abertura do sertão e pelas guerras travadas e pela captura de diversos grupos étnicos do interior do continente.  Logo, esses momentos de conflito terminavam por beneficiar os senhores que praticavam essas atividades.  

GUERRAS CONTRA OS PAIAIÁS 

Uma das peças administrativas mais representativas da forma de pensar e organizar a Guerra do Recôncavo é o documento encaminhado em 1669 à Coroa pelo Governador Geral Alexandre de Souza Freire (1667-1671). Nesse documento, o governador relata o que supostamente foi toda a trajetória de luta contra os “Bárbaros” do sertão, dentre eles, os paiaiás que habitavam o vale do Paraguaçu. A narrativa do governador tinha o objetivo central de convencer o Governo Metropolitano de que esses índios representavam perigo e prejuízo para os colonos das freguesias do Recôncavo e que, mesmo estabelecendo uma política de paz com eles, os paiaiás resistiam.  Da mesma forma recusavam as ofertas para descerem “pacificamente para os aldeamentos à beira do Paraguaçu. Assim sendo, Freire enquadra seus argumentos de forma a obter autorização para a decretação de guerra justa: a resistência à catequese, a hostilidade contra os súditos e a quebra de pactos de aliança. Através desses argumentos, o governador geral obtém autorização para mover guerra aos paiaiás, que viviam na Serra do Orobó, para matá-los e destruir suas aldeias, que, conforme afirmava, seriam a única forma possível de sanar de vez o problema com esses índios do Sertão do Paraguaçu.


Índios Payayá matam assassinos paulistas
A decretação de guerra justa é uma das complexas e variadas relações estabelecidas entre a Coroa, seus administradores, colonos, missionários e indígenas. O que podemos identificar como padrão nessa diversidade é o olhar etnocêntrico dos portugueses sobre os índios, o que explica os exageros usados nas missivas destinadas a obter permissão para fazer guerra aos grupos dos sertões. 

Destaque-se que mesmo havendo uma clara legislação sobre apresamento e escravização indígena, os colonos não eram impedidos de adotar práticas que contrariassem os princípios legalmente estabelecidos. É claro que alguns princípios eram claramente desrespeitados, sendo os mais comuns à escravização dos silvícolas ao arrepio da lei, a invasão dos aldeamentos jesuíticos e o não pagamento dos salários aos aldeados contratados. Projetos distintos e ritmos distintos na ressocialização dos índios administrados explicam os constantes conflitos entre colonos e jesuítas. O que destacaremos nesta análise é como esse conjunto de leis era usado para justificar o estabelecimento de alianças, os aprisionamentos e os massacres durante a Guerra dos Bárbaros. 
                                              
Um dos mecanismos de dominação mais comumente usado pelos colonos foi o de explorar os conflitos internos dos grupos indígenas. Graças a essas estratégias, foi possível aos portugueses aproveitarem-se desse traço da organização social das sociedades indígenas, acirrando as divergências entre eles para, assim, promover alianças com alguns grupos e usá-los para combater outras tribos inimigas daquelas com as quais se aliavam.

O Governador-Geral, Souza Freire reclama, na sua correspondência, que os ataques indígenas ocorridos às vilas de Campos de Aporá, Cachoeira, São Bartholomeu de Maragogipe e locais próximo aos Rios de Jaguaripe e Jequiriçá e Paraguaçu aconteciam desde o início do século XVII. Porém, as Guerras do Recôncavo só foram iniciadas em 1651, durante a expulsão dos holandeses e no momento em que ocorria a expansão das áreas cultivadas no Recôncavo para fazer frente ao pagamento e fornecimento de alimentos às tropas portuguesas estacionadas em Salvador. A reação dos indígenas a essa nova expansão fez com que o Governador-Geral, Conde de Castelo Melhor, em 1651, promovesse uma expedição que, partindo de Camamu, deveria destruir as “Aldeias de que tem suspeita que descem”, ou seja, os grupos que desciam para fazer estragos nas Vilas do Recôncavo. 

Uma tropa foi organizada para sair de Cachoeira onde foram reunidos índios sob a administração dos Rodrigues Adorno e que teve a participação de “alguns holandeses” que entraram na jornada interessados no “prêmio da presa” que o conde prometia na intenção de estimular os ânimos. 

A documentação consultada sugere-nos que essa expedição, que partiu do litoral, serviu mais para identificar as tribos que povoavam as áreas do sertão de cada região do que para combatê-los.

Em setembro de 1651 Gaspar Rodrigues Adorno recebe patente de “Capitão mor de toda a gente que vae á Jornada do Sertão” para que ele pudesse

“reduzir ao conhecimento da nossa Santa Fé Catholica e obediência das armas de Sua Magestade (Deus o guarde) as Aldeias que se quizerem sujeitar a ellas por paz, e conservar nossa amisade, e commercio, por ser o meio mais efficaz para segurarem os moradores do Recôncavo da guerra que o mesmo Gentio lhes faz”

O Conde de Castelo Melhor também o nomeu, na mesma patente, capitão-mor de toda infantaria paga da Ordenança e índios, pedindo que por onde Rodrigues Adorno passasse lhe dessem ajuda para a jornada do sertão.

Para tal jornada, foram recrutados alguns capitães que ficaram à frente das tropas da Infantaria. Foram convocados o alferes Agostinho Pereira, irmão de Gaspar Rodrigues Adorno, que era o primeiro na linha para suceder o capitão em caso de morte, o ajudante Manuel da Costa, segundo na via de sucessão e Simão Rodrigues. 
                  
Podemos identificar a primeira forma de resistência indígena na narrativa do Governador-Geral Alexandre de Souza Freire sobre o resultado da entrada realizada por Gaspar Rodrigues Adorno em 1651. 

“entrando pelo Juquiriçá acima, descobrindo as primeiras duas Aldeias Inimigas, pelejando aquelle dia com os Barbaros, lhe não matou mais que quatro; e pondo elles mesmos fogo ás suas Aldeias se metteram pelos mattos, e o Capitão-mor se retirou”. 

O fracasso da entrada foi atribuído à ausência de confronto direto com o grupo indígena encontrado na área, o que nos faz supor que estes possivelmente haviam se retirado após terem sido informados da aproximação das tropas coloniais. Esse tipo de comunicação intergrupal era bastante comum, tendo sido identificada em outras áreas coloniais, havendo casos de estabelecimento de alianças entre tribos inimigas para lutarem contra seu inimigo comum, como afirma Maria Idalina Pires. Há, ainda, que se considerar a hipótese dos próprios paiaiás terem seus informantes espalhados pelas rotas de penetração usadas pelas entradas para assim poderem se proteger.

A segunda investida aos paiaiás de Rodrigues Adorno no governo do Conde de Atouguia não apresenta um resultado detalhado da entrada, porém o documento indica que na luta contra esse grupo, as tropas luso-brasileiras não obtiveram sucesso. Na verdade, nos deparamos com o insucesso das várias jornadas organizadas com o objetivo de combater esse mesmo grupo indígena. 

Os capitães das tropas culpavam as poucas provisões que haviam sido
disponibilizadas para a jornada. Assim podemos observar na carta do Governador-Geral, o Conde de Atouguia (1654-1657), enviada aos oficiais da Câmara de Salvador em 1654, pedindo mantimentos e armas para uma nova jornada ao Sertão do Paraguaçu. Ele preocupa-se em justificar o grande pedido de mantimentos dizendo que 

“... Ainda que pareçam grandes é maior o prejuizo que se pretende evitar: e o Capitão-mor Gaspar Roiz Adorno que tenho nomeado cabo para esta facção se não atreve emprehendel-a com menos poder, fundado nas experiencias passadas em que a falta delles e das prevenções que era justo levar-se, o obrigaram a retirar-se sem obrar cousa alguma e animaram ao gentio a que descesse com menos temor a continuar as hostilidades de que o Reconcavo se queixa”. (destaque nosso).

O conde determinou que o irmão de Gaspar Adorno também participasse da jornada de 1654, nomeando o sargento-mor Agostinho Pereira, seu irmão, como seu substituto “por sua morte, em seu logar com os mesmos poderes, e jurisdição” “e, na de ambos (o que Deus não permitta) ao Capitão Francisco Dias seu cunhado” e outros sucessivamente citados por ordem mais próxima de parentesco. Essa forma de organizar uma jornada identifica a íntima associação entre empreendimento oficial e interesses particulares, que, neste caso, se explica por ser a região parte da propriedade da família Adorno. 

Nesse ano, de 1654, Luis da Silva tinha estabelecido relações com os índios da aldeia do Itapicuru, obtendo autorização para reuni-los e administra-los no objetivo de engordar as tropas que seguiriam ao sertão. Assim, o Conde de Atouguia mandou Luis da Silva incorporar quatrocentos índios à tropa de Rodrigues Adorno. 

Em dezembro de 1654 é passado um regimento a Gaspar Rodrigues Adorno, assinado pelo Conde de Atouguia, com todas as coordenadas e exigências para a nova “jornada do sertão”. Ela deveria ser organizada com provimentos, tropas e armamentos e partir de Cachoeira, local estratégico e “Boca do Sertão.” O regimento é composto por quinze ítens dos quais o sexto possui dois trechos que valem ressaltar. O primeiro trata-se do objetivo central da jornada e do motivo pelo qual a última tentativa de conquista não havia dado certo, 

“(...) que estas se desbaratem totalmente se destruam todas as mais de que podendo ser (pode descer?) gentio a continuar as mesmas hostilidades, e já em consideração dellas se intentou o mesmo cargo do proprio Capitão-mor, e por (não) levar poder, e prevenções necessarias, nem o seu Regimento lhe dar logar a seguir outra derrota, que a se limitava, se malogrou o effeito, e ficaram aquelles Barbaros com maior motivo de frequentarem os excessos que hoje padece todo o Reconcavo: considerando eu que se não pode dispor neste Regimento sobre a forma da mesma jornada, e marcha della, e eleição dos caminhos, cousa alguma com certeza de seu acerto pela falta das noticias evidentes, conhecimento daquellas Campanhas, disposição dos mesmos Barbaros, e distancia de suas Aldeias, o que tudo se obra melhor com a experiencia, e conhecimento dos mesmos accidentes que o tempo, e as ocasiões mostrarão (...)”

Para a família Rodrigues Adorno, habitantes do vale do Paraguaçu desde o século XVI, os caminhos do sertão não eram tão desconhecidos, porém, as novas jornadas empreendidas no século XVII implicavam em deslocamentos por rotas difíceis para os portugueses, o que os deixava a mercê dos índios que os guiavam nas entradas. De acordo com essa informação, podemos afirmar que os mesmos fatores que atrasavam os portugueses eram também os que beneficiavam os grupos indígenas em todo o sertão: a falta de conhecimento que os lusitanos tinham do interior, as tropas mal organizadas e principalmente as manobras executadas pelos “tapuias” que eram recrutados para fazer parte das guerras de conquista. Afinal, o capitão-mor não tinha total ciência do caminho a ser percorrido até as “aldeias inimigas”. Assim, os índios aliados e agregados à tropa proporcionavam aos portugueses longos “passeios” pelos sertões adentro, deixando-os cansados, sem mantimentos e muitas vezes sem contingente para continuar as entradas. 

Em outro trecho do regimento enviado a Gaspar Adorno vemos que, mesmo sendo dado a ele “arbitrio livre a disposição absoluta, e eleição do caminho que deve escolher, para o dito fim”, era necessário tomar “porém sempre o parecer e voto dos Indios, e Tapuyas mais noticiosos e que melhor informação lhe dêm do sertão, que ha de penetrar, e Aldeias que ha de destruir”.  

Logo em seguida localizamos uma carta datada de janeiro de 1655 enviada por Gaspar Rodrigues Adorno e Luis da Silva à Camara de Salvador relatando os acontecimentos ocorridos na referida jornada ao sertão. Nesta carta identificamos a dependência do capitão-mor da jornada em relação aos “tapuias” que o acompanhavam, seu parco conhecimento sobre a área e suposto medo por estarem com índios “tão Barbaros”, o que o obrigava a admitir,
                                                
 “... Que o mais conveniente caminho, que se deve seguir (por voto dos Tapuias, e indios mais praticos do sertão) para ser feliz a entrada que elle o faz, é o do Tapocurú a que Gaspar Rodrigues se resolveu, deixando o de Jacuippe como tinha assentado, não só por ser o parecer commum, que fosse antes pelo Tapocurú, mas ainda por se ver impossibilitado a seguir a jornada faltando-lhe os Tapuyas (principal instrumento da conservação, e bom sucesso da gente que leva) os quaes se deliberaram a não querer acompanhal-o, se não marchasse pelo Taporocú cujas conveniencias seguravam o fim que se pretendia, e elles o gosto com que se dispunham a ir (...) E como elles são tão Barbaros, e nesta occasião em que depende todo o bom successo da facção da benevolencia com que devem ser tratados, nem é possivel constrangel-os.”

A partir de relatos como esse, é possível lançar uma hipótese de que os silvícolas matinham relações de solidariedade entre si, nesse caso entre os índios que compunham as tropas - possivelmente os kiriri-sapuyá, também um subgrupo kiriri - e os paiaiás, grupo perseguido. As técnicas usadas para afastar os colonos variavam desde a escolha de trajetos que não conduziam ao destino estabelecido até o aviso aos paiaiás da chegada dos colonos, o que lhes permitia refugiaram-se nas matas mais interiores longe da área de circulação das tropas. Essa análise fundamenta-se, dentre outros documentos, num trecho acima citado, quando diz que os índios “se deliberaram a não querer acompanhal-o”. A recusa em não seguir o caminho que não fosse o deles é uma demonstração das formas de resistência e de tentativas de controle sobre a circulação das tropas e dos grupos que seriam confrontados. 

O que temos aqui também são duas perspectivas sobre um mesmo evento. Da mesma forma que os portugueses usufruiam das instruções e da força dos indígenas para combater grupos inimigos, os próprios índios poderiam estar, na verdade, aproveitando-se dos portugueses para combaterem seus inimigos. 

Através do Termo de Assento elaborado por Souza Freire, podemos constatar que Gaspar Adorno voltou ao sertão em 1655 e tentou fazer paz com os “Payayas” produzindo o seguinte efeito:

“... Chegando a certas Aldeias dos Payayases, que os receberam em Som de Guerra, se recolheu a esta cidade naquelle anno sem os destruir; deixando feitas pazes: as quaes elles não cumpriram: porque logo nas suas costas desceram a fazer as hostilidades costumadas”. 

Nesse momento, no início da Guerra do Recôncavo os portugueses queriam, além de conquistar o território, engordar o contingente de tropas para as batalhas posteriores. Para tanto era preciso que se aliassem aos indígenas ou os fizessem descer para os aldeamentos. No caso dos paiaiás, os portugueses tentam estabelecer relações de paz com eles inúmeras vezes sabendo que poderiam ser bons aliados contra outros grupos mais fortes. E, posteriormente, como iremos analisar, tentaram faze-los descer para as margens do Paraguaçu para usá-los como muralhas vivas contra outros grupos indígenas que atacavam as vilas do Recôncavo.

Consciente de que as investidas do capitão-mor Gaspar Adorno não surtiram os efeitos esperados, o Conde de Atouguia manda o capitão-mor Tomé Dias Lasso castigar os índios que voltaram a dar prejuízos às vilas do Recôncavo, porém ressalta que caso as

“Nações Barbaras, que vae destruir achar algumas Aldeias, que voluntariamente obedecem as armas de Sua Magestade, e queiram ter paz e commercio com os Portuguezes, e entender que não é resolução nascida do temor, senão de animo fiel e amigo, o dito Capitão-mor assentará pazes com elles, e os contentará com resgates, e lhes fará mudar as Aldeias, para a vizinhança do mar, donde receberão o baptismo, e conhecimento de nossa Santa Fé Catholica, poderão ser mais uteis ao serviço de Sua Magestade, e elles gosar as conveniencias, que se lhe podem resultar de nossa comunicação, e trato.”

A jornada de Tomé Dias Lasso também tem o seu fim narrado pelo governador Alexandre de Sousa Freire em 1669, 

“(...) voltou da Jornada sem obrar mais que renovar pazes com as mesmas Aldeias; e fazel-as de novo com outras ma ........ trouxe comsigo uma Rapariga, que lhes deram, por filha de um principal, em refens das ditas pazes, e segurança, da promessa que lhe fizeram, de que brevemente desceriam com suas Aldeias a viver junto a nós; e a uma, e outra cousa faltaram; porque nem desceram, nem deixaram de repetir todos os annos, uma e muitas vezes seus assaltos, e latrocinios.”

Temos duas hipóteses para explicar as constantes afirmativas de que os paiaiás não respeitavam os termos dos acordos estabelecidos: o fato dos portugueses desconhecerem o que seria considerado como “aliança” pelos índios e se utilizar dessa justificativa para conseguir a autorização para a decretação de guerra justa a esse povo. Até mesmo quando Souza Freire aponta como sinal de estabelecimento de aliança o fato de Tomé Dias Lasso ter levado consigo “uma Rapariga, que lhes deram, por filha de um principal”, percebemos seu desconhecimento da organização social de um grupo Ge. Sua análise do fato é feita a partir da regra do cunhadismo, elemento da organização social dos tupis, mas que nada tem a ver com a organização social kiriri. Logo, não é de surpreender o estranhamento do governador-geral quando afirma que, mesmo após este ato, os índios não quiseram descer e continuaram a exercer “assaltos, e latrocinios”. A outra hipótese está relacionada às formas de resistência desenvolvida por esse grupo, da mesma forma que os portugueses eram dissimulados nas alianças que construíam, os grupos indígenas também poderiam se utilizar dessa mesma característa no intuito de se preservarem ainda que mantendo relações com os brancos. 

Os conflitos e alianças entre os portugueses e os paiaiás vão permear todo o período das guerras de conquista no sertão do Paraguaçu. Afinal, era de suma importância ultrapassar a barreira que dava acesso aos sertões da Capitania da Bahia e das demais ao norte e ainda se fazia necessária à conversão de índios inimigos em mão-de-obra para a sociedade colonial, em especial para os administradores de aldeamentos da família Rodrigues Adorno.

Com a chegada do novo governador-geral Francisco Barreto de Menezes, em 1657, o conhecimento do sertão vai se tornar maior devido a sua estratégia de estabelecer casas fortes nos caminhos do interior para servirem de base para as tropas que iam às conquistas, projeto que Gabriel Soares de Sousa e sua tropa não conseguiram concluir no final do século XVI. Então, em outubro do mesmo ano, Francisco Barreto manda o sargento-mor Pedro Gomes, grande proprietário rural nessa parte do Sertão do Norte, acompanhado de Gaspar Rodrigues Adorno, abrir caminho de Cachoeira até a Serra do Orobó e depois construir uma casa forte no local.

Além de guardarem mantimentos e soldados, as casas fortes também tinham o objetivo de fixar colonos no sertão sem permitir que o caminho traçado até alí fosse novamente tomado pelos índios. No regimento referente a essa empreitada foi determinado que Pedro Gomes “praticará com o mesmo Gaspar Roiz, e mais pessoas, e Indios de maior experiencia, a parte por donde se deve dar principio a abrir a estrada, examinando primeiro com particular attenção todas as noticias que poder alcançar do caminho do Gentio.”

Uma das casas fortes estabelecidas nessa ocasião foi comandada, a partir de 1658, por Francisco de Brá na Serra do Orobó. Brá também deveria combater os resistentes da região, 

“Assim como chegar á mesma casa forte, ordenará ao Capitão de Brá tome entrega della, a qual lhe fará o Capitão Phelipe Coelho, a quem dará recibo da quantidade de farinhas, munições, ferramentas, e tudo o mais, que alli houver, perfazendo-lhe trinta Infantes, não os tendo a sua Companhia para ficarem em guarda da mesma casa forte”.

A construção dessa casa forte na Serra do Orobó provocou a reação dos indígenas da região desencadeando conflitos, particularmente, com as tropas comandadas por Gaspar Rodrigues Adorno e Pedro Gomes, responsáveis pela construção da casa forte e pela segurança da empreitada. A casa forte não teve condições de ser sustentada e muitos soldados morreram vitimados por enfermidades ou por ataques indígenas.

Por isso, no mesmo ano, o governador ordena ao Ajudante Luis Álvares que vá a Serra do Orobó levando “as quinze Aldeias de Payayases, que assistem na Jacobina” e ainda “vinte e cinco Infantes, para com os seus Soldados penetrarem aquelle sertão”. Utilizando, inclusive, a ajuda das tropas da Torre de Garcia D’Ávila através de seu tio e cunhado padre Antônio Pereira que envia seu escravo como língua na expedição. Os paiaiás de Jacobina, aldeados por particulares e jesuítas, constituíam-se, naquele momento, num importante contingente das tropas dessa jornada, que tinha como um dos objetivos persuadir “aos Principaes das quinze Aldeias, (de Jacobina) que naquella Serra se acham, se mudem com suas mulheres, e filhos, e com todos os mantimentos, que poderem levar para a do Orobó” por terem “sido terras suas”. 

Esse documento revela-nos outra prática comum aos colonos: os descimentos e aldeamentos de grupos indígenas nos locais mais convenientes para os projetos coloniais. No caso, os paiaiás de Jacobina haviam sido deslocados da Serra do Orobó e quando voltara a ser conveniente, propunha-se que retornassem para o local de origem. 

Em 1658 é idealizada uma jornada de grandes proporções comandada por Bartholomeu Aires que deveria socorrer Gaspar Adorno na Casa Forte da Serra do Orobó, pois Pedro Gomes, proprietário da área em que se localizava a referida casa forte, não o podia socorrer “por sua enfermidade”. 

Um dos objetivos dessa jornada foi resolver uma questão provocada pela tentativa de fazer os paiaiás de Jacobina retornarem para a Serra do Orobó. No regimento de Aires, o governador determina ao capitão que, ao chegar na casa forte, deveria mandar “Tapuyas especular se dão com algum rasto dos Tapuyas e dos Payayases que mandei vir da mesma Jacobina com suas mulheres, e filhos para as Aldeias da Serra do Orobó pelo Ajudante Luis Álvares, que com vinte cinco Infantes enviei a esse effeito.” Observamos que, mais uma vez, os paiaiás não estavam de acordo com exigências das tropas portuguesas e com os termos propostos para o estabelecimento de alianças, não estavam sob total controle, não se submetiam a todos os ditames e aproveitavam toda e qualquer oportunidade para se evadirem do domínio colonial.

Para mesma jornada, Francisco Barreto orientou os capitães que, ao encontrarem os paiaiás, deveria convencê-los a descer para as margens do Paraguaçu, onde seriam aldeados. Para obter êxito, os portugueses deveriam usar argumentos e oferecer benefícios aos que aceitassem o novo descimento de grande interesse estratégico para os planos de conquista dos Sertões do Paraguaçu:

“ ... Os mais (índios) com suas mulheres, e familias desçam a alojar-se, e formar Aldeias junto ao Rio Paraguassú donde temos a nossa casa forte; por ser parte muito capaz de roças, e terra melhor para todo o genero de legumes, o Rio muito farto, os mattos muitos cheios de caça, e elles ficarem mais vizinhos a nós, mais longe de seus contrarios, e já seguros com a casa forte, para dalli (vivendo elles sempre quietos) sairem as nossas tropas, e as suas desinquietar os Tapuyas contrarios, e fazer-lhes guerra dentro as Aldeias mais apartadas.

E procurando com todas estas razões, e as mais, que lhe parecer reduzil-os a que desçam para casa forte, e não fiquem no Orobó, donde não têm tanta conveniencia, nem segurança os enviará com o mesmo Ajudante Luis Alvares para a casa forte; dando-lhe por ordem os deixem fazer eleição naquelle mesmo districto da casa forte, e passagem do Paraguassú da paragem, que mais commoda lhes parecer para habitarem com suas mulheres, e filhos, e assim o Ajudante como o Capitão Francisco de Brá lhe dêm todo (o favor), e ajuda que for necessario para com maior brevidade se formarem as Aldeias em que hão de viver; e os Soldados os não offendam em cousa alguma como lhe encarrego no Regimento particular que lhe leva. 

12 – Mas se comtudo o amor que (os) Payayases têm á Serra do Orobó, por haver sido sua, os não deixar persuadir a que desçam para a casa forte, e se resolvam a ficar na Serra do Orobó: o Capitão Bartholomeu Aires lhes dirá que a razão de tambem lhe não convir ficar na Serra do Orobó é a difficuldade de se levar lá a farinha para sustento dos Soldados, que alli hão de ficar em sua guarda. E que emquanto elles não plantam tantas roças, que se possam lá sustentar os Soldados sem, ir farinha desta praça, serão os mesmos Principaes do Payayases obrigados a mandar fabricar pelos Tapuyas a casa forte, todo o mantimento que for necessario para conservação dos Soldados, que lá ficarem em sua guarda; e a partir com elles das caças, que tiverem para seu sustento; pois ficam tão longe desta Cidade, e faltos de tudo, só pelos defender com as armas dos Tapuyas seus inimigos”.

O objetivo de fazer os paiaiás descerem e aceitarem aldear-se na margem do Paraguaçu está explicitado no trecho do mesmo documento quando o governador-geral diz: “para dalli (vivendo elles sempre quietos) sairem as nossas tropas, e as suas desinquietar os Tapuyas contrarios, e fazer-lhes guerra dentro as Aldeias mais apartadas.” Logo, os paiaiás deveriam ser utilizados como barreiras de contenção contra os “bárbaros inimigos” do sertão que desciam às vilas do Recôncavo e também seriam usados como mão-de-obra concentrada em aldeamentos. 

A participação desses indígenas nessa jornada parece ter sido essencial para o sucesso da guerra também contra os “bárbaros” do Orobó, como se compreende da orientação bastante enfatizada no Regimento de Aires e Brá para esperarem o grupo que descia da Jacobina para ajudar na conquista das tribos inimigas. O objetivo dessa jornada não se restringia a fazer guerra contra os referidos “bárbaros” da serra do Orobó, mas também o de abrir caminhos e de ter mão de-obra suficiente pra produzir mantimentos sem que as tropas precisassem voltar à cidade de Cachoeira para se abastecer. Ao que parece, segundo o relato de Barreto, em um ano o caminho mais árduo foi aberto com uma estrada até a primeira casa forte que se distanciava a 40 léguas pelo sertão saindo da Cachoeira. 

Os planos de Francisco Barreto não cessaram por aí. Em 1657, quando a permanência das tropas no sertão estava mais segura, o governador acertou um contrato de combatentes para a Guerra do Recôncavo com “a gente de São Vicente” por serem “cabos mais experimentados que alli havia nas jornadas do Sertão, em que preferem todos os do Brasil”. Francisco Barreto assegurou ao capitão-mor de São Vicente que os paulistas poderiam ir à Bahia e se servirem dos índios como escravos “sem o menor escrúpulo”. Nas tropas da jornada comandada pelo paulista Domingos Barbosa Calheiros, também participaram os paiaiás, ficando encarregados de ajudar as tropas de paulista que foram ao Sertão do Paraguaçu localizar e destruir as aldeias inimigas. Segundo Bandeira, tratava-se de índios maracaussus e topins, e a expectativa da tropa era que atingissem seus objetivos, o que esperavam que ocorresse em poucos dias:

“(...) não resultou desta jornada maior utilidade que das passadas; antes maior prejuizo que o das mesmas hostilidades que os moradores recebiam; porque promettendo os payayases guiar aos nossos para as Aldeias dos Inimigos que elles diziam nos faziam o damno; e segurando-os de que em cinco dias as veriam, os trouxeram mais de sessenta enganados, em companhia de um crioulo do Padre Antonio Pereyra, de quem tambem os nossos se fiaram, guiando-os ao redor por serras invias, e montanhas asperas sem jamais nunca poderem chegar ãs ditas Aldeias, que buscavam, usando da industria de aconselharem aos nossos que não atirassem, para matar caça, nem cortarem pau para tirar mel, por não serem sentidos dos Tapuyas que nos faziam o mal, e nunca estes Tapuyas que elles diziam, se acharam; nem se podiam achar, por não haver outra nação mais que a dos Payayases: os quaes por aquelle engano ......... baratando, cansando, e matando á fome a nossa g ........ foram muito embora; e a desampararam naquelles desertos, e mattos, depois de consumida, e acabada, com as doenças miserias, e trabalhos da Jornada: e vendo o resto da nossa gente a perfidia destes Payayases, e que ficando alguns homens na guarda ás munições na Aldeia de Tapurice, elles os mataram, e comeram; e o mesmo fizeram a outros na do Camisam, e a todos os que ficavam cansados ou se apartavam; e que nõa havia outros inimigos senão elles, e como taes, a desacompanharam, e obraram todos estes excessos, debaixo da amisade que comnosco tinham feito; e que os poucos que tinham escapado, não podiam tomar satisfação alguma delles; se voltaram, e havendo ido áquella Jornada mais de duzentos homens brancos foram muitos raros os que chegaram a esta praça; e só se experimentou alguma fidelidade em alguns Indios da Jacobina, que padeceram a mesma fortuna (...).”
  
Mais uma vez constatamos como funcionava a solidariedade entre os grupos paiaiás: sem poder para rebelar-se, os guias voltaram a fazer a tropa rodar pelo sertão sem levá-la a lugar algum, exterminando os inimigos portugueses através da fome, do cansaço e das doenças, contando ainda com a ajuda do escravo de Antônio Pereira. Terminou, assim, a última investida contra os índios paiaiás do Sertão do Paraguaçu no governo de Francisco Barreto.

No segundo governo de D. Vasco de Mascarenhas, o Conde de Óbidos, só encontramos uma tentativa de conquista comandada pelo Capitão-Mor Gaspar Adorno em 1664. Outra vez a solução apresentada para domar os índios do sertão 

“ .... É fazer descer todas as Aldeias da Jacobina (...) para as cabeceiras do Iguape, Cachoeira, Maragogipe, e Jaguaripe, aposentando-as (...) á sua conservação, e defensa de seus moradores; com cujo commercio, e vizinhança se irão domesticando, e reduzindo mais facilmente á Fé Catholica, e doutrina Christã”.

O Conde de Óbidos não tomou muitas providências contra os ataques de “índios bravos”. Segundo Puntoni, talvez o governador estivesse mais ocupado com os problemas da epidemia de bexigas que chegou a Pernambuco em 1666, passando para a Bahia e, posteriormente, para o Rio de Janeiro. A justificava apresentada por não ter adotado medidas repressivas contra os paiaiás foi a de que índios estariam mais “mansos” durante seu governo numa inversão de raciocínio e na atribuição da responsabilidade pelos conflitos.

D. Pedro II, em Carta Régia de 20 de fevereiro de 1668, tornou a solicitar que fosse achada uma solução para o problema dos índios do sertão. A “proposta sobre os tapuias” de Alexandre de Souza Freire, tantas vezes citada neste texto por possuir uma descrição das jornadas contra os paiaiás no Paraguaçu, foi aceita por ser considerada como viável. Esse governador acreditava, ao contrário, do Conde de Óbidos, que os exemplos de outros pontos da colônia indicavam “de que só com o rigor padecido se aquietaram as insolencias dos barbaros que nella se conquistaram; e o mesmo se viu nos annos passados com a nação dos Goytacases na Capitania do Cabo Frio, e Parahiba do Sul; que só depois de destruidos de todo se aquietaram”. 

O pedido de autorização para fazer guerra justa aos índios paiaiás do sertão foi aceito, mas no governo de Alexandre de Souza Freire as guerras persistiram no Baixo Sul, particularmente em torno da Vila de Cairu, o que talvez explique o fato do governador afirmar que os “bárbaros” do sertão do Paraguaçu eram os responsáveis pelos incômodos sofridos pelos moradores daquelas vilas. Quer dizer, é possível que os paiaiás mencionados nos documentos não sejam o mesmo grupos que, segundo Souza Freire, estavam cometendo “hostilidades” no sul da capitania da Bahia. Na verdade, o governador se aproveitava da fama desses índios que habitavam o Paraguaçu para fazer guerra a outros grupos próximos a Vila de Cairu. 

Em 1671 chegam os paulistas, sendo retomada às guerras contros os índios no Paraguaçu. Brás Rodrigues de Arzão e Estevão Ribeiro Baião Parente estavam no comando das tropas, sendo o primeiro subordinado ao segundo, tendo como base de operação a Vila de Cachoeira. Não possuíndo mais remédio para conter os índios que permaneciam resistentes a conquista do sertão “este Governo [mandou] buscar á Capitania de São Vicente alguma gente da Villa de São Paulo como tão costumada a vencel-os e sujeital-os com as pessoas de maiores experiências e valor”. Segundo Felisbelo Freire, o objetivo desses dois paulistas era conquistar os maracás do Orobó, sendo estes índios vencidos em 1673. Atribui-se a Arzão a conquista da Aldeia do Camisão, e a Parente, a tomada da Aldeia de Massacará, ambas na margem esquerda do Paraguaçu e habitadas por grupos kiriris. As tropas de paulistas levavam consigo guerreiros indígenas do grupo do paiaiás que haviam sido aldeados por Gaspar Rodrigues Adorno. Em 1672 ele é citado como administrador dos paiaiás, numa patente para o ajudante Manuel Hinojosa se tornar capitão dos mesmos índios.

“Affonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça etc. Porquanto os Principaes dos Payayazes da Administração do Capitão-Mor Gaspar Rodrigues Adorno, que ora vão por ordem minha á conquista do Gentio Bárbaro, com o Governador Estevão Ribeiro Bayão Parente, me representaram lhes desse um cabo que particularmente os governasse, e procurasse tudo o que conviesse a sua conservação: respeitando Eu o serviço que vão fazer a Sua Alteza, e a ser conveniente dar-lhe Capitão em quem concorra o valor, experiência, e mais partes necessárias ao exercício daquelle posto; e o bem que todas estas se acham na de Manuel de Hinojosa, e a satisfação com que me consta haver servido a Sua Alteza em Pernambuco, e Angola em praça de Soldado, Alferes, e Ajudante da mesma Conquista, que actualmente está exercendo: esperando delle que nas obrigações do dito posto se haverá com a prudência que deve ter para conservação dos índios, e obrar com elles nas occasiões que se offerecerem do Serviço de Sua Alteza, o que o dito Governador da Conquista lhe ordenar. Hei por bem de o eleger, e nomear (como em virtude da presente elejo, e nomeio) Capitão de todos os Payayas, e Tapuyas da Cachoeira.”

Isto é, além de já terem se tornado parte da administração da família Rodrigues Adorno, os índios paiaiás e os “tapuyas de Cachoeira” já compunham as tropas que iam ao sertão com os paulistas que haviam sido contratados para reduzir outros grupos indígenas. O que indica que esses índios já estavam sob o domínio português. A administração dos paiaiás, no entanto, não permanece com Rodrigues Adorno. Em 1674 João Peixoto Viegas fez um pedido para administrar os paiaiás que, segundo ele

“... Ha nove annos deco (desceu) do Sertão para as suas terras, e fazendas de Itapororocas, e Jacuipe o Gentio da nação Payayá em defensa do gentio bravo que descia a salteal-as muitas vezes, roubar, e matar a sua gente como matou dezesete escravos, roubou sete fazendas, e queimou cinco, e com ajuda dos ditos índios fez fronteira, e se susteram os muitos moradores dos campos da Cachoeira (...) os ditos indios Payayá foram valentes e leaes, e os que mais trabalharam como a Vossa Senhoria é zer entender sua obrigação no serviço de Sua Alçoado cem contínuos benefícios como se viu na occasião em que por uma desconfiança de que os queriam matar, e captivar, sem (sic) filhos João Peixoto os ter muito domesticado, e afei çoado com contínuos beneficios como se viu na occasião em que por uma desconfiança de que os queriam matar, e captivar, sem filhos e mulheres se levantaram todos, e se iam para o sertão e elle Supplicante os seguiu pelos mattos muitas léguas, sem mais armas nem gente que quatro filhos seus ainda meninos, e com a industria de que queria também fugir com elles porque Vossa Senhoria os havia de enforcar e a seus filhos se elles não tornavam logo, e os fez voltar para a Aldeia”

Segundo João Peixoto, os paiaiás que o haviam acudido, não queriam descer para as aldeias porque pensavam que os portugueses queriam seus filhos e suas mulheres, mas com toda “braveza”, como descreve ele no pedido, foi até atrás dos tais índios com seus filhos e arriscou a própria vida no objetivo de garantir sua confiança. Sendo verdade ou não, seu pedido foi atendido em 1675 e garantida a administração dos índios que estivessem reduzidos em sua aldeia, reconhecendo-o como um “Administrador dos índios, da Nação Payayá na Aldeia de que se trata; e ter a experiência mostrado por muitas vezes quão importante é que tenham”.

A partir da chegada dos paulistas, as guerras no Sertão da Bahia tomam novos rumos pelo continente adentro e novas querelas passam a surgir nas povoações do Paraguaçu. Dentre elas podemos exemplificar os conflitos entre paulistas e sertanistas baianos que, nesse momento, brigavam pelos benefícios e regalias de capitães de tropa de conquista. É o caso da carta enviada a Estevão Baião Parente pela Junta Governativa Provisória de 1677 a pedido dos moradores do Recôncavo reclamando que suas táticas de guerra e conquista não eram coerentes com as dos baianos, 

“Quando concedemos a Vossa Mercê a ordem de se reconduzir o gentio que lhe era necessário para a jornada, e de (sic) mandamos com tanta largueza, foi suppondo que não ousaria Vossa Mercê com as violências de que se nos vão repetindo queixas. Sua Alteza não quer que seus moradores sejam vexados; nem ainda é justo que os índios se tratem como escravos. Ao Capitão-mor Gaspar Roiz Adorno havíamos encarregado por uma petição de todos os moradores daquella parte que a firmaram pedindo-nos remédio aos grandes roubos e outras cousas que lhes faziam os negros do matto, ajuntassem todos os índios que andavam espalhados daquella Aldeia, para segurança dos moradores, e Vossa Mercê deu na Aldeia, e queimando-lhes as casas, e o milho que tinham recolhido, e amarrou alguns índios, e fugidos os mais quer passar o mulherio para a povoação (*) causa mui digna de se estranhar a Vossa Mercê; pois não podiam os bárbaros fazer maior mal a aquella Aldeia, nem aos moradores tirando a segurança dos negros fugidos. A povoação Vossa Mercê não ha de fazer mudando os índios mansos das suas Aldeias em que estão contentes para ella; nem o fim das nossas ordens é esse. Senão para trazer gente que o ajude a ir conquistar os índios bravos que ha de trazer para a povoação, e não para os vender (...).

Além de ser repreendido pela junta devido a sua forma violenta de lidar com os índios, o capitão Estevão ainda é advertido que, quando a guerra em questão fosse para repreender “Bárbaros”, o governo facilmente mandaria reforços para fazê-lo, porém, acrescentava, “se a entrada é só a descer gentio do Sertão” (...), em primeiro logar não traga Vossa Mercê um só dos que são pertencentes a João Peixoto Viegas, e Domingos de Freitas, a cujas Aldeias Vossa Mercê não irá, e restituirá logo todos os que tiver preso ou levado á de Gaspar Rodrigues Adorno (...); porque pela menor sombra que nos chegar de noticia semelhante mudaremos esta advertência na demonstração que merecer”.

CONCLUSÃO

Os paiaiás eram um grupo muito grande e acreditamos que tenham tido mais de um administrador. Como detalhamos, tratava- se de um grupo arredio ao domínio português, o que levava muitos conquistadores à tentativa de “amansa-los”. Devido as constantes guerras travadas com os portugueses, além, evidentemente, das epidemias, responsáveis extinção de muitos grupos étnicos na América portuguesa, possivelmente seu contigente também foi reduzido de forma drástica. Com a chegada dos paulistas e das tropas indígenas acompanhada por eles ficou cada vez mais difícil resistir. O que os levou a se render aos aldeamentos e comporem as tropas de conquista que iam para outros sertões.”

Mais informações

1. Payayás no Paraguassu e em Antonio Cardoso (antigo Jacuípe depois Umburanas) - clique aqui

2. Payayás na atualidade - clique aqui

3. Payayás na Bahia - clique aqui

4. Payayás na região do Paraguassu - clique aqui


** "O sesmeiro João Peixoto Viegas, mercador português proveniente da Vila de Viana chega à Bahia por volta de 1640. Era filho de Fernão Peixoto, de Viana, e Barbara Fernandes. Aqui chegando, casou-se com Dona Joana de Sá e foi possuidor de grandes extensões de terras, tendo sido o incorporador do Paraguaçu, em Itapororocas e Água Fria, desde 1652, área que corresponde ao sertão baiano, incluindo terras pertencentes à Feira de Santana. Adquiriu as terras d’ além Paraguaçu, localizada entre o rio Jacuípe e o Itapicuru. Na Bahia, Viegas compõe os quadros políticos, como administrador da Companhia Geral do Comércio, tesoureiro e escrivão de Bulas, além de ter em sua história o papel de denunciador da Inquisição. Em 1675, parte para devastar o sertão, apropriando-se das terras indígenas. O sesmeiro João Lobo de Mesquita exerceu na Bahia a função de vereador e juiz ordinário. Abre caminhos da Mata de São João, numa extensão de nove léguas, tendo por direito, cobrar uma res a cada curraleiro. Em 1653, vendeu a João Peixoto Viegas as terras de Jacuípe e Itapororocas." NACELICE BARBOSA FREITAS2

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